A ciência enfrenta um cenário preocupante em relação ao assédio contra cientistas em todo o mundo. Isso ocorre porque, pesquisadores dedicados à produção de conhecimento sofrem, de forma recorrente, ameaças, insultos e ataques. Esse fenômeno se intensificou durante a pandemia de COVID-19. Esses episódios não ocorrem de forma isolada e revelam um problema mais profundo: a crescente desconfiança e hostilidade em relação à ciência.
Pesquisas indicam que narrativas de cinismo científico alimentam o assédio, descrevendo os cientistas como elitistas, incompetentes ou motivados por interesses pessoais. Essas percepções, que a desinformação e teorias conspiratórias amplificam, legitimam comportamentos hostis. Não se trata apenas de uma questão individual, mas de uma tendência cultural que transforma cientistas em inimigos públicos.
Enquanto a desconfiança na ciência já estava documentada, um estudo recente publicado no periódico Scientific Reports buscou preencher a lacuna na compreensão sobre a relação entre visões de mundo, traços de personalidade e aprovação do assédio. Dessa forma, o estudo revelou fatores estruturais e psicológicos que explicam essa hostilidade crescente.
Cinismo e Conspiração: Quando a Ciência se Torna Alvo
O cinismo científico é um dos principais fatores por trás do assédio contra cientistas. Pois essa perspectiva coloca os cientistas como figuras desconfiáveis, movidas por interesses próprios ou agendas ocultas. Durante a pandemia, por exemplo, teorias que associavam vacinas a esquemas de controle populacional se tornaram amplamente disseminadas, contribuindo para um clima de hostilidade.
Além disso, a pesquisa também mostra que crenças conspiratórias estão fortemente ligadas à aprovação de comportamentos prejudiciais contra cientistas. Por exemplo, a ideia de que eventos globais são controlados por elites corruptas reforça a desconfiança e legitima atitudes agressivas. Esse pensamento, aliado a um discurso populista que opõe “pessoas comuns” a uma suposta elite científica desconectada, cria um terreno fértil para o assédio.
A pesquisa indica que a mídia e as redes sociais desempenham um papel crucial nesse processo. Narrativas polarizadas frequentemente reforçam a ideia de que a ciência está a serviço de interesses obscuros, amplificando, assim, o descontentamento popular. Como resultado, cientistas se tornam alvos fáceis de um público desinformado e inflamado por teorias sem base factual.
Personalidades Sombrias e o Assédio Contra Cientistas
A relação entre traços de personalidade e assédio também foi explorada em profundidade. Os estudos identificaram uma forte correlação entre traços do chamado “dark triad” – narcisismo, maquiavelismo e psicopatia – e a aprovação de comportamentos hostis contra cientistas. Essas características psicológicas amplificam a propensão ao conflito e à desumanização dos pesquisadores.
O narcisismo, por exemplo, está associado a um senso de superioridade que despreza o trabalho dos cientistas como irrelevante ou ameaçador. Já a psicopatia reduz a empatia, facilitando a adoção de atitudes agressivas. O maquiavelismo, por sua vez, promove uma visão pragmática e antiética, na qual as pessoas veem o ataque à ciência como uma estratégia para alcançar objetivos pessoais ou ideológicos.
Esses traços, combinados com o cinismo científico e a percepção de ameaça, criam uma combinação perigosa. Pessoas com tais traços estão mais inclinadas a aprovar e até mesmo a participar de episódios de assédio, reforçando, assim, a urgência de intervenções que promovam empatia e compreensão.
Percepção de Ameaça: Uma Guerra Contra a Ciência?
A percepção de ameaça se mostrou o fator mais determinante para o assédio a cientistas. Indivíduos que veem a ciência como uma ameaça à sua segurança, valores culturais ou estabilidade econômica são significativamente mais propensos a justificar comportamentos hostis. Essa dinâmica inclui tanto ameaças reais quanto simbólicas.
Durante a pandemia, por exemplo, medidas como o uso de máscaras e o distanciamento social foram interpretadas por alguns como ataques às liberdades individuais. Essa visão polarizada transformou cientistas em inimigos do público, aumentando o risco de assédio. O medo de que a ciência substitua tradições culturais ou desafie crenças pessoais também contribui para a hostilidade.
Para enfrentar esse problema, é essencial compreender como essas percepções são formadas e disseminadas. Pois narrativas de desconfiança, alimentadas por discursos políticos e sociais, exacerbam a divisão entre cientistas e o público. Dessa forma, promover uma visão mais equilibrada e baseada em fatos pode ajudar a reduzir essas tensões.
Superando a Hostilidade: O Papel da Comunicação Científica no Assédio Contra Cientistas
Apesar dos desafios, é possível combater o assédio contra cientistas por meio de estratégias eficazes de comunicação e educação. Tornar a ciência acessível e compreensível para o público é um passo crucial. Isso inclui abordar mitos, destacar os benefícios do progresso científico e envolver comunidades locais no processo de pesquisa.
A ética da comunicação também é fundamental. Cientistas e instituições precisam adotar uma postura transparente e responsiva, capaz de construir confiança e combater a desinformação. Campanhas educativas que mostrem como a ciência impacta positivamente a sociedade podem ajudar a desfazer estigmas e reforçar a empatia.
Ademais, políticas públicas que promovam a inclusão social e reduzam desigualdades podem mitigar as condições que alimentam o cinismo e a hostilidade. Essa abordagem multidimensional é essencial para proteger a ciência e garantir que ela continue a servir como um pilar do progresso humano.