A relação entre condições sociais modernas e a religiosidade sempre foi vista como uma via de mão única: à medida que as sociedades se tornam mais seguras, educadas e urbanizadas, a fé declina. Contudo, um estudo recente liderado por Louisa L. Roberts e publicado no periódico the Journal for the Scientific Study of Religion contesta essa narrativa simplista. Com base em dados abrangentes do World Values Survey e do European Values Study (1989-2020), a pesquisa revela que fatores como segurança existencial, educação e urbanicidade não são diretamente responsáveis pela diminuição da religiosidade em nível global.
Em vez de corroborar a hipótese amplamente aceita, os resultados mostram associações fracas e inconsistentes entre esses fatores modernos e a religiosidade. Por exemplo, enquanto viver em áreas urbanas foi relacionado a menor religiosidade em diversas regiões, o oposto ocorreu no Leste Asiático, onde as cidades são epicentros de fé e práticas espirituais. Além disso, a relação entre renda e religiosidade também variou, limitando qualquer afirmação generalizada.
Essas descobertas deixam clara a necessidade de abandonar explicações reducionistas. A relação entre religiosidade e modernidade é multifacetada e mediada por diversos fatores culturais, econômicos e históricos. Talvez seja hora de questionarmos se a diminuição da fé é mesmo um fenômeno inevitável ou apenas uma projeção enviesada do Ocidente.
O Papel da Religiosidade nas Primeiras Comunidades Humanas
A religiosidade não foi um mero acessório na evolução humana; ela desempenhou um papel central na sobrevivência de nossos ancestrais. Pois em tempos de incerteza extrema, a fé criava coesão social, fortalecia laços comunitários e incentivava a cooperação. Além disso, rituais e crenças comuns reduziam conflitos internos e ofereciam conforto frente às ameaças externas.
Esse vínculo entre religiosidade e sobrevivência se refletia na organização das primeiras sociedades. Grupos com sistemas de crenças mais robustos possuíam vantagens competitivas: eram mais unidos, resilientes e capazes de mobilizar recursos de forma eficiente. A dimensão espiritual oferecia respostas para as perguntas mais angustiantes da existência humana, funcionando como um alicerce psicológico em tempos de crise.
No entanto, em um mundo moderno onde a segurança material é uma realidade para muitos, o papel tradicional da religiosidade como mecanismo de sobrevivência parece menos evidente. Ainda assim, isso não significa que ela tenha perdido completamente sua relevância. A religiosidade continua a oferecer um senso de identidade, pertencimento e significado — algo que as condições modernas nem sempre conseguem substituir.
Confrontando a Narrativa de um Mundo Menos Religioso
Por que, então, as taxas de religiosidade declinam em algumas regiões do mundo — particularmente no Ocidente? Muitos acreditam que a educação e o avanço científico minaram a fé ao oferecer explicações alternativas para fenômenos naturais e sociais. Contudo, os dados apresentados por Roberts sugerem que essa explicação é superficial. As quedas na religiosidade não podem ser atribuídas exclusivamente à modernidade; outros fatores precisam ser considerados.
Por exemplo, mudanças culturais e políticas têm grande impacto nas práticas religiosas. Governos que promovem a secularização ou associam a fé a instituições vistas como opressivas contribuem para quedas na adesão religiosa. Da mesma forma, eventos históricos — como guerras ou crises econômicas — frequentemente alteram o papel da religiosidade em uma sociedade, não apenas reduzindo sua importância, mas também reformulando-a.
Além disso, a globalização trouxe uma mistura de crenças e valores, criando espaços onde a pluralidade muitas vezes enfraquece o monopólio de uma religião dominante. Em vez de substituir a religiosidade, a modernidade parece transformá-la, gerando novas formas de espiritualidade e práticas individuais que desafiam as medições tradicionais.
Implicações para o Futuro da Fé
As descobertas do estudo levantam uma questão fundamental: estamos realmente vivendo em uma era de “declínio da fé”, ou apenas testemunhando uma evolução de como as pessoas expressam sua espiritualidade? A complexidade da relação entre religiosidade e modernidade impede que seja reduzida a relações causais simples.
O desafio para pesquisadores e líderes religiosos é entender como as dinâmicas culturais, econômicas e históricas moldam a espiritualidade contemporânea. Em vez de lamentar o “declínio”, talvez seja hora de explorar as novas manifestações de fé que surgem em um mundo globalizado e tecnologicamente avançado.
Por fim, as evidências sugerem que a religiosidade é resiliente. Mesmo em face da modernidade, ela continua a evoluir, assim refletindo as necessidades, valores e aspirações das sociedades. A questão é menos sobre o “fim” da fé e mais sobre como ela se adapta a um mundo em constante mudança.
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