A dieta cetogênica tem sido amplamente promovida como uma solução eficiente para o controle de peso e o tratamento de doenças metabólicas. Recentemente, seus efeitos no câncer despertaram interesse, com estudos mostrando que ela pode inibir o crescimento de tumores primários. Contudo, uma nova pesquisa liderada por Zhenyi Su da Universidade de Columbia em Nova Yorque revela uma relação paradoxal e preocupante. Pois, enquanto a dieta reduz tumores iniciais, ela pode aumentar significativamente o risco de metástases em alguns contextos, especialmente no câncer de mama. Assim, esta descoberta coloca em cheque a visão convencional sobre os benefícios dessa dieta e aponta para mecanismos moleculares, como o papel de BACH1 e ATF4 (entenda mimais sobre abaixo), que podem ser cruciais para entender e mitigar esses efeitos.
Como a Dieta Cetogênica Reduz Tumores Primários
A dieta cetogênica reduz drasticamente os níveis de carboidratos, limitando a glicose disponível para as células tumorais. Muitas delas dependem quase exclusivamente da glicólise para produzir energia, um processo conhecido como Efeito Warburg. Ao cortar essa fonte de energia, a dieta cetogênica reduz o crescimento de tumores primários.
O Efeito Warburg refere-se a uma característica metabólica observada em muitas células tumorais. Pois elas preferem obter energia por meio da glicólise, mesmo na presença de oxigênio suficiente para realizar a fosforilação oxidativa mitocondrial, que seria mais eficiente. Durante esse processo, ocorre a conversão de grandes quantidades de glicose em lactato, então fornecendo energia e intermediários metabólicos necessários para a rápida proliferação celular. Esse fenômeno contraria o metabolismo de células normais, que utilizam a glicólise apenas em condições de baixa oxigenação. O Efeito Warburg é visto como uma adaptação das células cancerígenas. Assim, permitindo-lhes sobreviver e crescer em ambientes de hipoxia (baixo oxigênio) e contribuir para a progressão tumoral.
O Papel da Insulina na Progressão Tumoral
A insulina, um hormônio essencial para o metabolismo energético, desempenha um papel significativo na progressão do câncer. Ela estimula a captação de glicose pelas células e ativa vias de sinalização que promovem o crescimento e a sobrevivência celular, como a via PI3K/AKT/mTOR. No contexto tumoral, níveis elevados de insulina podem acelerar a proliferação de células cancerígenas, especialmente aquelas sensíveis à glicose. Além disso, a insulina regula a produção do fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1), um potente mitógeno que estimula a divisão celular e reduz a apoptose. Dessa forma, contribuindo para o desenvolvimento e a agressividade do tumor. A dieta cetogênica reduz os níveis de insulina e IGF-1 devido à restrição de carboidratos, então privando as células tumorais desses estímulos e ajudando a conter o crescimento tumoral primário.
O Que é Ferroptose e seu Papel no Controle do Câncer
A ferroptose é uma forma de morte celular programada caracterizada pelo acúmulo de peroxidação lipídica, que é letal para as células. Diferentemente de outros tipos de morte celular, como apoptose ou necrose, a ferroptose é desencadeada pela disfunção do metabolismo redox e pela falha em neutralizar espécies reativas de oxigênio (ROS) nos lipídios. O mecanismo envolve a inibição do sistema de transporte de cistina-glutamato, regulado pelo gene SLC7A11, e a depleção de glutationa, um antioxidante crucial.
No contexto do câncer, a ferroptose pode ser uma arma poderosa contra células tumorais resistentes a outros tratamentos, pois muitos tipos de câncer dependem de uma alta capacidade antioxidante para sobreviver. A dieta cetogênica, ao alterar o metabolismo energético e reduzir os níveis de glicose, pode indiretamente promover ferroptose em células tumorais, especialmente aquelas que não conseguem se adaptar ao uso de corpos cetônicos como fonte de energia. Isso contribui para a redução do tamanho de tumores primários em estudos com modelos animais.
O Papel de BACH1 e ATF4 na Progressão Metastática
A Regulação Gênica e Metástase
BACH1 é como um maestro no controle do câncer quando se trata de espalhar a doença. Esse fator de transcrição, que regula o estresse oxidativo, ativa genes diretamente ligados à metástase, ou seja, à capacidade do câncer de invadir outras partes do corpo. Quando os níveis de glicose caem, como ocorre na dieta cetogênica, BACH1 ganha um aliado poderoso: o ATF4, um fator responsivo ao estresse celular. Juntos, eles intensificam a expressão de genes como CEMIP e CXCL14, conhecidos por impulsionar a migração e invasão de células tumorais.
Embora a dieta cetogênica ajude a reduzir tumores primários, experimentos mostraram um aumento significativo na formação de metástases pulmonares em modelos animais. Curiosamente, esse efeito foi drasticamente reduzido quando a ação de BACH1 foi bloqueada, reforçando seu papel essencial na disseminação do câncer.
Sob condições de baixa glicose, o ATF4 aumenta sua presença, potencializando a capacidade de BACH1 de se conectar ao DNA e ativar genes que tornam o câncer mais agressivo. Essa parceria entre os dois fatores surge como um importante alvo para novas terapias, prometendo alternativas para conter a progressão metastática do câncer.
Implicações para a Oncologia e Próximos Passos
Embora o foco inicial esteja no câncer de mama, o impacto da dieta cetogênica na metástase pode não se limitar a esse tipo de tumor. Há indícios de que as alterações metabólicas provocadas pela dieta podem influenciar outros tipos de câncer, embora mais estudos sejam necessários para compreender como essas dinâmicas afetam diferentes contextos e perfis tumorais. Essa lacuna de conhecimento ressalta a importância de ampliar as pesquisas e explorar os possíveis desdobramentos desse efeito em uma variedade maior de tumores.
Caquexia e Alterações Metabólicas
Em estágios avançados, muitos pacientes enfrentam a caquexia, uma síndrome marcada por desnutrição severa e baixos níveis de glicose. Esse estado metabólico pode agravar o impacto pró-metastático das alterações induzidas pela dieta cetogênica. Dessa forma, criando um ciclo vicioso em que a disseminação tumoral intensifica a privação de glicose, potencializando ainda mais a progressão do câncer. Portanto, essa relação complexa sugere que a caquexia pode ser um fator crucial a ser considerado ao avaliar os riscos e benefícios da dieta cetogênica em pacientes com câncer avançado.
Nesse cenário, a inibição de BACH1 e a regulação de sua interação com o fator ATF4 emergem como estratégias promissoras para conter os efeitos negativos da dieta cetogênica sobre a metástase. Moduladores específicos do metabolismo tumoral podem oferecer novas opções de tratamento, melhorando os resultados clínicos e reduzindo os riscos associados à progressão metastática. O desenvolvimento dessas abordagens terapêuticas é um passo fundamental para maximizar os benefícios da dieta cetogênica enquanto minimiza seus potenciais efeitos adversos.
Efeitos Paradoxais
Os efeitos paradoxais da dieta cetogênica no câncer refletem a complexidade do metabolismo tumoral e reforçam a necessidade de estratégias terapêuticas equilibradas. Embora ofereça benefícios comprovados para o controle de tumores primários, seu impacto na metástase exige cautela e abordagens complementares. A combinação da dieta cetogênica com inibidores de BACH1 representa uma alternativa promissora para explorar os benefícios dessa intervenção sem comprometer a segurança dos pacientes. À medida que as pesquisas avançam, novas possibilidades se abrem para integrar de forma mais segura e eficaz essa abordagem ao tratamento do câncer, ampliando as perspectivas de controle da doença.