Por que algumas pessoas se sentem tão traídas pela democracia tradicional? Uma nova pesquisa publicada em Political Psychology revela que a resposta pode estar menos nas instituições políticas e mais na psicologia coletiva. O estudo mostra que quem acredita que sua visão política é amplamente compartilhada — mesmo quando não é — tem maior probabilidade de adotar atitudes populistas. Além disso, também tendem a desconfiar das instituições democráticas e defender que a “vontade do povo” deve prevalecer sobre a dos representantes eleitos.
Essas percepções distorcidas de consenso, conhecidas como efeito de falso consenso, sugerem que pessoas projetam suas próprias opiniões sobre a sociedade como um todo. Quando esses indivíduos veem os políticos tomando decisões contrárias às suas expectativas, interpretam isso como uma rejeição deliberada da vontade popular. Assim, alimentando o sentimento de “nós contra eles” que caracteriza movimentos populistas em todo o mundo.
O estudo analisou dados de um amplo levantamento representativo na Alemanha, englobando cerca de 3.500 adultos. Foram avaliadas opiniões sobre temas polêmicos — desde restrições da pandemia até impostos para ricos, direito de asilo e cotas de gênero. Os participantes também estimaram quantos alemães compartilhavam suas posições, permitindo aos pesquisadores medir o grau de ilusão de consenso de cada um.
Como Crenças De Falso Consenso Potencializam A Desconfiança E O Populismo
O levantamento foi além de medir opiniões: utilizou escalas reconhecidas para mapear o perfil populista dos entrevistados. Essas escalas abordam três elementos centrais do populismo: a crença na “vontade moralmente pura” do povo, a visão dos elites como corruptos e a tendência de ver a política em termos de luta do bem contra o mal. Os resultados foram contundentes: quanto mais forte a crença de falso consenso, maior o apoio à ideia de que as decisões políticas deveriam refletir diretamente a vontade popular, sem mediação dos representantes.
O fenômeno não estava restrito a nenhum espectro político: tanto à esquerda quanto à direita, a ligação entre falso consenso e atitudes populistas se manteve. No entanto, o elo era especialmente forte entre os participantes de extrema direita — grupo que apresentou os maiores níveis de falso consenso. Essas pessoas também mostraram menor confiança nas instituições políticas e maior intenção de votar em partidos populistas, como o AfD (Alternativa para a Alemanha).
Outra descoberta foi que indivíduos com crenças elevadas de falso consenso apresentavam menor sensação de eficácia política. Em outras palavras, acreditavam menos em sua capacidade de influenciar decisões democráticas. O estudo sugere que viver em “bolhas de opinião” ou consumir mídia alinhada às próprias ideias pode reforçar essa percepção equivocada. Então, levando à radicalização e à rejeição do pluralismo democrático.
Implicações Para Democracia, Mídia e Combate Ao Populismo
O trabalho ressalta que o falso consenso não é apenas um detalhe cognitivo, mas um elemento central na dinâmica do populismo contemporâneo. Pessoas que superestimam o apoio às próprias ideias tendem a ver o sistema político como fraudulento ou injusto. Dessa forma, facilitando a aceitação de narrativas polarizadoras e simplificadoras.
Os autores reconhecem limitações metodológicas — o estudo é observacional e não determina se o falso consenso causa o populismo, ou se ocorre o inverso. Também destacam que fatores como necessidade de certeza, pensamento dicotômico e influência da comunicação de elites podem reforçar ambos os fenômenos. O ambiente de mídia fragmentada e algoritmos de redes sociais tende a exacerbar o problema, promovendo a ilusão de maioria em grupos digitais.
Para o futuro, os pesquisadores propõem novas investigações: será que corrigir percepções errôneas sobre a opinião pública pode diminuir o apelo populista? E como campanhas de informação ou mudanças em ambientes digitais podem promover uma visão mais realista e plural da sociedade? As respostas podem ser decisivas para fortalecer a confiança nas instituições e conter o avanço do populismo na era das redes.
O artigo, “False consensus beliefs and populist attitudes”, amplia o debate sobre polarização, democracia e os mecanismos psicológicos por trás das rupturas políticas modernas.