Epilepsia é uma condição neurológica marcada por crises recorrentes e inesperadas, resultado de descargas elétricas anormais no cérebro. Embora muitos pacientes encontrem controle adequado das crises usando medicamentos anticonvulsivantes, existe uma parcela considerável de pessoas — aproximadamente um terço — que não responde a pelo menos duas medicações diferentes, caracterizando a chamada epilepsia farmacorresistente. Para esses casos, as alternativas convencionais podem ser insuficientes, deixando pacientes e famílias em busca de novas possibilidades.
O impacto da epilepsia resistente vai além do risco de lesões físicas. As crises frequentes limitam a autonomia, aumentam o estigma social e dificultam a participação em atividades cotidianas. O surgimento de terapias inovadoras, como o uso medicinal do óleo de cannabis, tem reacendido a esperança para esse grupo, trazendo debates sobre eficácia, segurança e o papel de compostos como CBD e THC no manejo das crises.
Avaliação de Óleo de Cannabis em Pacientes Reais
Uma pesquisa recente, publicada na revista Frontiers in Neuroscience por Frank Yizhao Chen e equipe, analisou a experiência de 19 pessoas com epilepsia refratária que iniciaram tratamento com óleos de cannabis. Todos eram pacientes do North Toronto Neurology, clínica referência no Canadá, e participaram de um programa que começa com consulta educativa e avaliação médica rigorosa. Tal avalição seguiu as normas nacionais para uso de cannabis medicinal.
O tratamento é conduzido em fases, começando com óleo de canabidiol (CBD) em doses progressivas. Se necessário, associa-se tetrahidrocanabinol (THC) ao protocolo. O objetivo: buscar controle total das crises, adaptando doses conforme resposta e efeitos colaterais. O acompanhamento foi feito com base em registros detalhados do paciente ou cuidador, mas sem o rigor dos diários eletrônicos padronizados usados em grandes ensaios clínicos.
A seleção dos participantes foi criteriosa, excluindo pessoas com condições instáveis no coração, rins, fígado ou quadro psiquiátrico grave. As doses variaram entre 6,8 mg/kg/dia para CBD isolado e 7,58 mg/kg/dia de CBD mais 0,31 mg/kg/dia de THC para quem necessitou da combinação. A decisão clínica de ajustar ou não o tratamento foi baseada exclusivamente na evolução das crises.
Resultados Mostram Controle Duradouro e Melhora de Qualidade De Vida
O estudo trouxe um dado animador: 11 dos 19 pacientes conseguiram ficar livres de crises sem alterar o regime inicial de óleo de cannabis. Outros 7 atingiram o controle total em apenas uma semana após o início do tratamento. Cinco pessoas passaram mais de um ano inteiro sem registrar nenhuma crise, resultado raríssimo nesse perfil clínico. Em média, o período livre de crises foi de 245 dias, evidenciando não só a potência do tratamento, mas também a possibilidade de manter o benefício ao longo do tempo.
Cinco participantes alcançaram o resultado apenas com CBD, enquanto os demais precisaram associar THC ao protocolo. Para quem não ficou totalmente livre das crises, a frequência mensal ainda caiu cerca de 69% em relação à fase pré-tratamento. Mais de 90% dos pacientes relataram melhor qualidade de vida, reforçando que o impacto do óleo de cannabis vai além do controle clínico, influenciando a rotina, autoestima e interação social dos usuários.
Os pesquisadores defendem que esses achados justificam o acesso ampliado a derivados de cannabis em casos de epilepsia refratária. Eles sugerem também que futuros estudos considerem a ausência de crises como principal critério de sucesso e busquem identificar biomarcadores capazes de prever resposta ao tratamento.
Limitações, Riscos e Próximos Passos Para O Uso do Óleo de Cannabis Medicinal
Apesar do entusiasmo, o próprio estudo reconhece limitações importantes. Trata-se de uma análise observacional, sem grupo controle, randomização ou cegamento. Isso significa que não se pode descartar a influência de placebo ou de outros fatores sobre os resultados. O número de participantes é pequeno e a diversidade clínica dos casos limita a generalização para toda a população com epilepsia resistente.
Outra limitação é o método de registro das crises, feito por paciente ou cuidador, o que pode gerar subnotificação ou viés de memória. O estudo também não aborda potenciais efeitos adversos de longo prazo do uso de cannabis, especialmente quando há THC envolvido. Pesquisas mais robustas, com amostras maiores, protocolos controlados e uso de diários eletrônicos, serão fundamentais para consolidar a evidência e guiar protocolos clínicos no futuro.
Ainda assim, o trabalho de Frank Yizhao Chen e colegas contribui de forma relevante para o debate internacional sobre terapias alternativas para epilepsia de difícil controle. Além disso, abre caminhos para inovação em políticas públicas de saúde.