Para muitas pessoas, fazer compras compulsivas é uma atividade cotidiana e necessária. Contudo, para outras, o ato de comprar ultrapassa a necessidade e se torna um comportamento descontrolado e compulsivo. Essa compulsão por compras é definida como um distúrbio comportamental, onde a pessoa apresenta um desejo incontrolável de gastar dinheiro, frequentemente em itens desnecessários. Embora possa parecer algo trivial, as consequências dessa compulsão são sérias, incluindo dificuldades financeiras e conflitos interpessoais.
As compras compulsivas geralmente surgem como uma tentativa de lidar com emoções negativas, como ansiedade, tédio ou estresse. Esse comportamento, no entanto, proporciona apenas alívio temporário, frequentemente seguido por culpa, arrependimento ou angústia financeira. Ao contrário de gastos esporádicos ou exageros ocasionais, esse distúrbio apresenta um padrão repetitivo e impulsivo, marcado pela ausência de considerações práticas ou planejadas.
Outro aspecto crucial é a relação entre compras compulsivas e transtornos mentais. Estudos sugerem uma alta incidência desse comportamento em indivíduos que enfrentam depressão, ansiedade e baixa autoestima. Adicionalmente, a sociedade de consumo desempenha um papel importante, reforçando o desejo de comprar como meio de validação social ou fonte de prazer imediato.
A Ligação Entre Compras Compulsivas e a Função Executiva
Um estudo recente publicado no Applied Neuropsychology: Adult destaca a influência das funções executivas no comportamento de compras compulsivas. As funções executivas, controladas pelo córtex pré-frontal do cérebro, englobam habilidades como planejamento, tomada de decisão, resolução de problemas e autocontrole. Pois esses processos são fundamentais para a regulação de comportamentos direcionados a objetivos e para a capacidade de resistir a impulsos.
No estudo, os pesquisadores avaliaram como essas funções cognitivas estão relacionadas à compulsão por compras. O estudo envolveu 205 participantes jovens, divididos entre aqueles propensos a compras compulsivas e indivíduos com padrões normais de consumo. Além disso, os pesquisadores usaram ferramentas como a Bergen Shopping Addiction Scale e o Dysexecutive Questionnaire Revised, e identificaram que os compulsivos apresentaram desempenho inferior em todas as medidas de função executiva.
Um ponto específico destacado foi o papel do controle inibitório. Pois indivíduos propensos a compras compulsivas demonstraram dificuldade em controlar impulsos, o que explica, em grande parte, a associação entre compulsão e função executiva. Essa limitação os impede de suprimir comportamentos automáticos ou inadequados, exacerbando assim o ciclo de compras descontroladas.
Bergen Shopping Addiction Scale e Dysexecutive Questionnaire Revised
Bergen Shopping Addiction Scale (BSAS)
A Bergen Shopping Addiction Scale (BSAS) é uma ferramenta desenvolvida para avaliar o comportamento de compras compulsivas em indivíduos. Criada com base nos critérios diagnósticos de dependências comportamentais, ela utiliza seis dimensões principais, todas inspiradas no modelo de dependência geral proposto por Griffiths: saliência, modificação de humor, tolerância, sintomas de abstinência, conflito e recaída.
A BSAS é composta por uma série de declarações que os participantes avaliam com base em sua experiência pessoal, geralmente em uma escala de Likert. As perguntas abrangem aspectos como:
- Frequência de pensamentos relacionados a compras;
- Uso das compras como forma de lidar com emoções negativas;
- Dificuldade em reduzir ou controlar os gastos;
- Impacto do comportamento de compra em outras áreas da vida.
A pontuação final permite categorizar os indivíduos em diferentes níveis de risco para compras compulsivas, ajudando na identificação de padrões problemáticos. Pesquisadores utilizam amplamente a BSAS em estudos acadêmicos e em contextos clínicos, oferecendo insights sobre como o consumo excessivo pode ser entendido como uma dependência comportamental.
Dysexecutive Questionnaire Revised (DEX-R)
O Dysexecutive Questionnaire Revised (DEX-R) é um instrumento projetado para avaliar disfunções executivas em indivíduos. Essa ferramenta investiga o impacto de problemas cognitivos, emocionais e comportamentais relacionados ao funcionamento do córtex pré-frontal, assim permitindo uma compreensão abrangente das dificuldades na vida cotidiana de quem apresenta esses sintomas.
O DEX-R é composto por uma série de questões que avaliam quatro áreas principais:
- Controle emocional: dificuldades em regular emoções e comportamentos impulsivos.
- Motivação: problemas com iniciação de tarefas e manutenção do foco.
- Controle cognitivo: incapacidade de planejar, organizar ou tomar decisões efetivas.
- Conexão social: impacto das disfunções na interação interpessoal.
Indivíduos ou pessoas próximas, como familiares ou cuidadores, respondem ao questionário para oferecer uma perspectiva mais ampla e objetiva. A escala pontua cada item com base na frequência e severidade dos problemas relatados. Portanto, a principal vantagem do DEX-R é sua abordagem prática e acessível para mensurar deficiências executivas, auxiliando no diagnóstico e no planejamento de intervenções.
Por Que o Controle Inibitório é Central no Distúrbio de Compras Compulsivas
O controle inibitório é uma das habilidades mais críticas dentro das funções executivas. Ele permite que uma pessoa resista a impulsos ou ações automáticas em favor de um comportamento mais adequado aos objetivos estabelecidos. No caso das compras compulsivas, essa habilidade está severamente comprometida.
De acordo com o estudo, o controle inibitório não apenas medeia a relação entre compras compulsivas e dificuldades executivas, mas também é um dos principais fatores que explicam a persistência do comportamento, mesmo diante de consequências negativas. Isso inclui problemas financeiros, conflitos pessoais e sofrimento emocional. Em indivíduos com compulsão, a dificuldade em regular as respostas emocionais ao ato de comprar e em resistir às tentações reforça um ciclo vicioso.
O padrão comum de compras compulsivas ilustra esse ciclo: a pessoa sente uma emoção negativa, como estresse, compra algo para aliviar o desconforto, experimenta alívio temporário, mas depois enfrenta culpa e consequências negativas, o que leva a novas compras. A dificuldade em controlar as respostas automáticas torna o distúrbio muito difícil de superar.
Implicações e Limitações do Estudo sobre Compras Compulsivas
Os achados deste estudo oferecem insights valiosos sobre a relação entre compulsão por compras e funções cognitivas. No entanto, é importante reconhecer as limitações da pesquisa. Um dos principais pontos é o fato de o estudo ser baseado em autorrelatos e avaliações subjetivas, o que pode introduzir vieses. Além disso, a natureza transversal do estudo impede a identificação de causalidade direta entre as variáveis.
Apesar dessas limitações, as descobertas destacam a importância de intervenções voltadas diretamente para o controle inibitório em pessoas com compulsão por compras. Técnicas baseadas em terapia cognitivo-comportamental, por exemplo, podem ser útis para ajudar os indivíduos a desenvolverem mecanismos de regulação emocional mais eficazes e a resistirem a impulsos automáticos.
Reflexões Finais
Embora as compras sejam uma parte essencial da vida moderna, sua transformação em compulsão revela como o consumismo pode exacerbar vulnerabilidades humanas. A compulsão por compras vai além de uma questão de autocontrole ou irresponsabilidade financeira; envolve processos cognitivos complexos que impactam a resistência a impulsos e a tomada de decisões conscientes.
Compreender o papel da função executiva nesse comportamento é essencial para desenvolver intervenções eficazes. Mais pesquisas, especialmente estudos longitudinais, podem esclarecer ainda mais como melhorar o controle inibitório e ajudar indivíduos a superar esse ciclo vicioso. Nesse meio tempo, é essencial que a sociedade repense a valorização excessiva do consumo como fonte de prazer e validação.