Imagine uma tecnologia vendida como ponte para conexão… mas que, silenciosamente, cava fossos de isolamento, essa é a solidão nas dedes Sociais. Uma realidade revelada por um estudo de longo prazo conduzido por pesquisadores da Baylor University, nos Estados Unidos, e publicado na Personality and Social Psychology Bulletin. A equipe, liderada pelo professor James A. Roberts, investigou durante nove anos como o uso passivo e ativo das redes sociais influencia a solidão — e as descobertas desmontam o mito de que interagir online é sempre melhor que o silêncio offline.
A pesquisa se baseou em dados do Longitudinal Internet Studies for the Social Sciences, um painel holandês de amostragem representativa da população adulta dos Países Baixos. Entre 2014 e 2022, 6.965 participantes responderam anualmente a questionários sobre o tempo dedicado a redes sociais e o sentimento de desconexão. O resultado? Uma correlação significativa entre mais tempo online — seja apenas rolando o feed ou comentando e postando — e níveis mais altos de solidão ao longo dos anos.
Esse dado desafia diretamente a narrativa confortável de que “pelo menos estou interagindo com alguém”. Não está. O estudo indica que, ainda que haja um clique, um comentário ou uma publicação, essas interações digitais não são suficientes para gerar a profundidade emocional e a sensação de pertencimento que o cérebro humano reconhece como conexão social real. Estamos simulando presença, enquanto nos afogamos em ausência.
A Engrenagem Invisível da Solidão nas Redes Sociais
Um dos achados mais intrigantes do estudo foi o efeito de retroalimentação: pessoas solitárias tendem a usar mais redes sociais — e esse uso, por sua vez, agrava ainda mais a solidão. Um ciclo silencioso, viciante e cada vez mais comum, especialmente entre os mais jovens, cuja vida social acontece majoritariamente em ambientes virtuais.
Esse padrão se mostrou verdadeiro tanto para o uso passivo (rolar sem interagir) quanto para o uso ativo (curtir, comentar, postar). O que muda é apenas a ilusão de controle. O estudo sugere que, mesmo quando você está engajando ativamente, a carência de profundidade emocional nessas trocas faz com que o cérebro continue percebendo vazio — como se todo o esforço social estivesse sendo feito em vão. E a frustração leva ao uso ainda mais intenso da ferramenta.
James A. Roberts vai além: ele afirma que estamos diante de uma crise pública emergente. O impacto da solidão, segundo o U.S. Surgeon General, equivale a fumar 15 cigarros por dia — e estamos entregando isso em forma de aplicativos, com algoritmos que recompensam o tempo de tela e penalizam o tempo de vida. Essa engrenagem invisível se alimenta de nossa carência emocional para nos manter conectados… e vazios.
O Paradoxo da Conexão Virtual
É aqui que a provocação se torna inevitável: estamos viciados em um substituto emocional de má qualidade. O estudo revela que, mesmo com uma década de promessas de que a tecnologia nos traria mais perto, os indicadores de solidão aumentaram junto com o tempo médio diário nas redes sociais. Como explicar que quanto mais interagimos, mais solitários nos sentimos?
O problema não é apenas a quantidade de uso, mas a qualidade da interação. Os autores destacam que, na maioria dos casos, o conteúdo consumido ou compartilhado promove comparação social, exclusão percebida ou reforço de um estilo de vida inalcançável. O “scroll infinito” não é apenas perda de tempo — é um mecanismo que reforça a sensação de que estamos perdendo algo essencial.
Mais grave ainda: a substituição de conexões presenciais por trocas digitais tem um custo que não aparece na tela, mas no corpo. Estudos prévios já associaram a solidão crônica ao aumento de doenças cardiovasculares, depressão, distúrbios do sono e até morte prematura. Ou seja, ao abraçar uma tecnologia que nos promete companhia, estamos, em última instância, nos afastando do que nos mantém vivos.
O Peso Científico das Evidências Sobre Solidão nas Redes Sociais
A força do estudo está na sua abordagem longitudinal — algo raro na pesquisa em psicologia social. A análise ao longo de nove anos permite observar tendências reais, e não apenas momentos isolados de comportamento. Com quase 7 mil participantes e métodos estatísticos robustos, a confiabilidade dos dados é sólida.
A medida de solidão utilizada foi um questionário padronizado e validado, o que garante comparabilidade com outras pesquisas sobre bem-estar e saúde mental. Já o controle entre diferentes tipos de uso das redes reforça uma conclusão central: não importa se você interage ou apenas observa — o efeito é o mesmo. A solidão se acumula.
Além disso, os pesquisadores sugerem que as redes sociais mais recentes, baseadas em vídeos curtos (como TikTok e Reels), podem piorar ainda mais esse cenário. Essas plataformas ativam sistemas dopaminérgicos com força redobrada, gerando ciclos de gratificação instantânea e esvaziamento afetivo prolongado. Em outras palavras: são ainda mais viciantes e menos relacionais.
Uma Crise de Saúde Pública Invisível
É fundamental entender que solidão não é apenas um sentimento — é um marcador de risco. A Organização Mundial da Saúde já reconhece a solidão como um problema de saúde pública, mas o debate sobre o papel das redes sociais nesse cenário ainda é tímido. Afinal, como questionar ferramentas que fazem parte do nosso cotidiano, da nossa carreira e da nossa autoimagem?
Roberts é incisivo: a tecnologia não entrega o que promete. Em vez de reduzir o isolamento, ela o amplifica silenciosamente. A sensação de fazer parte de algo maior é substituída por métricas vazias: curtidas, seguidores, visualizações. Mas na prática, essas interações não nutrem a parte mais essencial do ser humano — a que precisa de olho no olho, escuta ativa e presença compartilhada.
A urgência é oculta, mas devastadora. Estamos diante de uma epidemia emocional com consequências biológicas, sociais e políticas. E ela se alastra em silêncio, com cada clique, cada story, cada noite passada imerso em uma tela que promete companhia, mas entrega vazio.