Durante décadas, acreditou-se que a atração por seios femininos era apenas uma construção cultural. Um produto direto de tabus, regras de modéstia e da censura visual imposta em sociedades ocidentais. Mas um estudo recém-publicado na revista Archives of Sexual Behavior sugere que essa explicação pode estar perigosamente incompleta. A pesquisa foi realizada entre os Dani, um povo indígena da região central de Papua, na Indonésia, onde o vestuário feminino passou por uma transformação radical nas últimas décadas. E os dados, colhidos com 80 homens de diferentes faixas etárias, colocam em xeque uma das premissas mais defendidas pela psicologia social contemporânea: que os seios só são objeto de desejo porque foram escondidos.
A força dessa descoberta não está apenas no local ou no método, mas naquilo que ela expõe — ou melhor, desmascara. O estudo partiu de uma pergunta provocadora: homens se excitam com seios por causa da proibição de vê-los, ou existe uma raiz mais primitiva e biológica por trás disso? Ao comparar gerações que cresceram com diferentes normas de vestuário — uma onde mulheres andavam com os seios à mostra, e outra já marcada pela imposição de roupas — os autores buscaram algo simples e perturbador: se o tabu é a faísca do desejo, o que acontece quando o tabu nunca existiu?
O resultado? Indiferença às normas culturais. Pois os homens mais velhos, que cresceram vendo seios nus diariamente, relataram níveis de excitação, frequência de toque durante o sexo e valorização estética dos seios iguais aos homens mais jovens, criados em um ambiente onde os seios eram cobertos. Uma revelação que arranca o verniz da moralidade e deixa à mostra uma hipótese mais incômoda: há algo biológico — talvez instintivo — nesse desejo.
Uma Amostra Rara em um Contexto Improvável
O estudo teve um desenho metodológico engenhoso. Os pesquisadores Michal Mikolaj Stefanczyk, Piotr Sorokowski, S. Craig Roberts e Agnieszka Żelaźniewicz reuniram dois grupos bem delimitados: 40 homens de 17 a 32 anos, que cresceram após o fim da nudez pública feminina, e 40 homens entre 40 e 70 anos, cujos anos de formação ocorreram enquanto o topless ainda era norma cultural. Essa diferença geracional foi a chave para testar hipóteses que raramente conseguem ser examinadas fora do laboratório e das bolhas urbanas ocidentais.
Os pesquisadores conduziram as entrevistas oralmente com a ajuda de intérpretes locais e envolveram perguntas diretas sobre hábitos sexuais e percepções relacionadas aos seios: frequência de toque, nível de excitação ao vê-los nus, importância dos seios na atratividade feminina. O uso de uma população não ocidental e relativamente isolada da mídia foi essencial para eliminar o ruído das influências midiáticas que dominam os debates sobre sexualidade em outros contextos.
Os autores sabiam que estavam lidando com um fio tênue entre honestidade e desejabilidade social. Por isso, optaram por uma abordagem simples e direta, adaptada ao contexto cultural. Mesmo assim, os resultados foram consistentes: a exposição ou não à nudez durante a juventude não alterou o desejo masculino. A cultura — neste caso — parece não ter moldado a libido.
Biologia, Fertilidade e o Corpo Como Código Visual
Se o véu do tabu cultural cai, o que sobra? Os pesquisadores propõem uma resposta nada confortável: a atração pode estar ligada a sinais biológicos sutis. Além disso, estudos anteriores já haviam correlacionado seios maiores e mais firmes a altos níveis de estradiol, hormônio associado à fertilidade, além de maior proporção de gordura corporal — uma pista ancestral de saúde e reservas nutricionais. Assim, sendo firmes, simétricos, jovens: os seios poderiam funcionar como marcadores visuais de maturidade reprodutiva e saúde geral.
A ideia pode parecer reducionista à primeira vista, mas não está sozinha. Diversos trabalhos em psicologia evolucionista já sugeriram que preferências estéticas humanas estão entrelaçadas a pressões evolutivas ligadas à reprodução. Nesse contexto, a atração por seios seria menos uma perversão da cultura e mais uma reação primitiva a sinais corporais de fertilidade. E se for isso mesmo, não adianta cobrir ou mostrar — o desejo não vai mudar.
Esse argumento ainda choca parte da academia, mas continua ganhando força. Ele propõe que a cultura apenas amplifica tendências pré-existentes, em vez de criá-las do zero. Ou seja, em sociedades onde se cobre os seios, eles podem até se tornar mais “eróticos” por escassez visual — mas isso não explica o porquê de eles já serem objeto de desejo mesmo sem esse pano de fundo.
Limites do Estudo e o que Ainda Não Sabemos
Nem tudo são certezas. O próprio artigo reconhece limitações importantes. Primeiro, a questão do viés de memória. Parte dos participantes mais velhos teve que relembrar sentimentos e percepções da juventude, algo que pode ter sido contaminado pelas normas atuais, mais recatadas. Além disso, a pesquisa se apoiou em autorrelatos — um terreno sempre escorregadio, sobretudo quando se fala de sexo.
Também é preciso reconhecer que os Dani são apenas uma população entre centenas de contextos culturais no planeta. Será que povos onde a nudez feminina ainda é cotidiana — como alguns grupos no Brasil, África ou Oceania — apresentariam resultados semelhantes? A ciência ainda não respondeu. Mas o experimento conduzido na Papua já lançou uma pedra no lago: há algo mais profundo — e talvez mais inato — na forma como os homens olham para os seios femininos.
Por fim, o estudo foca exclusivamente nos homens. Fica a pergunta: o que as mulheres pensam sobre seus próprios seios? Além disso, será que eles influenciam sua autoestima, sua identidade sexual ou sua percepção de valor no mercado afetivo? Existe, do lado feminino, algum componente biológico ou é tudo sociocultural? Questões que a próxima rodada de pesquisas precisará enfrentar — sem tabus.
O que esta Pesquisa nos Obriga a Reconsiderar
Há um incômodo necessário nessa descoberta. Ela sugere que algumas preferências sexuais humanas podem ser anteriores à cultura — e que proibições, regras e normas apenas moldam o contorno daquilo que já estava ali. Isso não significa negar a importância da cultura. Mas sim reconhecer que há forças mais silenciosas operando por trás do desejo humano. Forças que não respondem a dogmas morais, mas a sinais corporais, evolutivos, ancestrais.
A pergunta que fica é direta: se a cultura não cria o desejo — apenas o direciona — quantos outros aspectos da sexualidade humana estão sendo erroneamente atribuídos ao moralismo, à mídia, ao costume? Ao olhar para um povo distante, o estudo nos devolve um espelho. E o reflexo pode não ser o que gostaríamos de ver.