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Entre o Sagrado e o Secular: Sexo Após a Fé na Comunidade Ultraortodoxa

Entre o Sagrado e o Secular: Sexo Após a Fé na Comunidade Ultraortodoxa
Entre o Sagrado e o Secular: Sexo Após a Fé na Comunidade Ultraortodoxa
Índice

A transição da fé para o mundo secular não termina com a troca de roupas ou de rotina, esse é o dilema enfrentado pela sexualidade pós-religiosa. Para ex-membros de comunidades ultraortodoxas judaicas em Israel, especialmente os jovens entre 16 e 25 anos, a sexualidade emerge como uma das áreas mais delicadas — e dolorosas — de reconstrução da identidade. Um estudo publicado na revista Archives of Sexual Behavior, conduzido por Zvika Orr, Beth G. Zalcman, Anat Romem e Ronit Pinchas‑Mizrachi, lança luz sobre esse processo invisível, mas profundamente marcante.

Com base em 37 entrevistas em profundidade — 25 homens e 12 mulheres — que deixaram a comunidade ultraortodoxa entre um e dez anos antes da pesquisa, os pesquisadores aplicaram a técnica de análise fenomenológica interpretativa. Os participantes, todos educados em instituições religiosas até pelo menos os 18 anos, foram entrevistados presencialmente ou online por até duas horas. A pesquisa revelou padrões de sofrimento sexual, ignorância sobre o próprio corpo, e um sentimento generalizado de perda de orientação social.

O estudo parte de um contexto estatístico expressivo: mais de 13% dos israelenses ultraortodoxos entre 20 e 64 anos eventualmente deixam suas comunidades, segundo o Israel Democracy Institute. Mas poucos dados existiam sobre como esse processo afeta a construção da sexualidade, especialmente em um ambiente onde o silêncio, a repressão e o tabu moldam cada aspecto da vida íntima.

O Vazio da Educação Sexual e Seus Custos na Sexualidade Pós-Religiosa

Nos ambientes ultraortodoxos, regula-se a sexualidade com rigidez. Desde a infância, meninos e meninas vivem em esferas separadas. Tratam a masturbação, por exemplo, como pecado mortal entre os meninos, enquanto meninas recebem informações mínimas — quase exclusivamente sobre menstruação. Já os cursos pré-nupciais, oferecidos antes do casamento, focam na pureza ritual e raramente abordam consentimento ou prazer.

Ao deixar esse universo, os ex-integrantes se deparam com um vazio: não sabem como iniciar ou interpretar relacionamentos, tampouco entendem os códigos não verbais e as normas seculares sobre sexualidade. Isso levou muitos a situações de confusão, vergonha e até abusos — tanto como vítimas quanto, em alguns casos, como protagonistas sem intenção consciente.

As entrevistas revelaram relatos de interações iniciais marcadas por exploração emocional ou sexual. Alguns homens, por exemplo, confundiam gestos gentis com insinuações, enquanto mulheres relatavam não saber como se vestir ou se comportar sem sentir culpa. Em ambos os casos, havia a sensação de estar “sem roteiro” — uma metáfora recorrente nas falas dos participantes.

Trauma, Silêncio e a Dor Não Processada

Talvez o dado mais impactante do estudo seja a prevalência de traumas sexuais não reconhecidos nas comunidades de origem. Muitos participantes relataram abusos sofridos na infância que foram ignorados, silenciados ou até justificados por lideranças religiosas. Alguns afirmaram que, se houvesse espaço seguro para falar sobre os abusos, talvez não tivessem deixado a fé.

Essa violência silenciosa reforça um ciclo de vulnerabilidade. Ao abandonar a religião, essas pessoas carregam não apenas uma mochila cheia de dúvidas, mas também um histórico não elaborado de violências que impactam diretamente sua vida afetiva e sexual. A falta de amparo institucional e psicológico contribui para que essa dor se manifeste em comportamentos autodestrutivos ou dificuldades de estabelecer vínculos saudáveis.

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A pesquisa, ao focar nessa dor pouco discutida, aponta para a urgência de políticas públicas e acolhimento especializado para ex-integrantes de comunidades religiosas fechadas — algo ainda praticamente inexistente em Israel e em muitos outros países.

“Rabbi Google” e a Reconstrução da Identidade Sexual

Sem acesso prévio a livros ou orientação profissional sobre sexualidade, muitos entrevistados recorreram à internet — apelidada ironicamente de “Rabbi Google” — como principal fonte de informação. Outros aprenderam com parceiros, em tentativas e erros ou por meio de amizades com outros ex-religiosos. Alguns homens, mesmo vivendo fora da comunidade, continuavam preferindo o sistema de shidduchim (casamentos arranjados) para evitar a ansiedade dos aplicativos de namoro seculares.

As estratégias de adaptação variavam muito: alguns mergulhavam de cabeça em experiências sexuais múltiplas, testando sua liberdade recém-conquistada. Outros, ao contrário, adotavam uma postura retraída, evitando relações por medo, vergonha ou confusão. Em comum, havia a tentativa de preencher lacunas deixadas por anos de repressão.

Essa reconstrução afetava inclusive a imagem corporal. Homens, antes alheios a padrões estéticos, passaram a frequentar academias e modificar o guarda-roupa. Mulheres relatavam sentir uma nova pressão estética ao buscar aceitação fora dos limites da modéstia religiosa. O corpo, antes escondido, passava a ser moldado para ser visto. No entanto, ainda que sem total compreensão das regras implícitas do novo ambiente.

A Fratura Invisível da Sexualidade Pós-Religiosa

O conceito de “cleft habitus”, utilizado pelos autores, descreve perfeitamente esse sentimento de deslocamento: uma fratura interna entre dois sistemas simbólicos — o mundo que se deixou e o mundo que ainda não se domina. Essa condição liminar, entre o pertencimento e o exílio, faz com que muitos ex-ultraortodoxos vivam uma espécie de identidade suspensa. Assim, vivendo como se normas antigas ainda ecoassem mesmo quando já foram abandonadas.

Esse estado é, para alguns, transitório. Para outros, torna-se uma identidade permanente, marcada pela coexistência desconfortável de valores conflitantes. A liberdade, nesse contexto, vem acompanhada de um preço alto: vulnerabilidade social, desconexão familiar e ausência de referências claras.

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O estudo aponta ainda para a necessidade de mais investigações interdisciplinares que considerem a multiplicidade de experiências entre ex-integrantes de comunidades religiosas. A metodologia qualitativa utilizada — embora rica em detalhes — tem limitações, como o foco exclusivo em judeus ashkenazi israelenses e o uso de amostragem por indicação. Ainda assim, oferece uma contribuição valiosa para pensar sobre sexualidade, trauma e identidade em contextos de ruptura cultural profunda.

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