Beber cerveja pode parecer um ato simples, quase trivial. Mas uma pesquisa recente trouxe à tona uma informação que não deveria ser ignorada: a cerveja, especialmente produzida em algumas regiões dos Estados Unidos, carrega uma carga invisível de contaminantes conhecidos como PFAS — as chamadas substâncias eternas.
O estudo, conduzido pelo Research Triangle Institute e publicado na revista científica Environmental Science & Technology, analisou 23 marcas de cerveja disponíveis no varejo na Carolina do Norte. Sob liderança da toxicologista Jennifer Hoponick Redmon, a equipe utilizou metodologias validadas pela própria Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) para avaliar a presença dessas substâncias na bebida.
Os resultados foram claros e desconfortáveis: praticamente todas as amostras apresentaram algum nível de PFAS, e em alguns casos, as concentrações ultrapassaram os limites definidos pela EPA para a água potável — limite esse que, segundo muitos especialistas, já é criticado por ser permissivo demais.
A Relação Direta Entre Água Contaminada e Cerveja Contaminada
O raciocínio técnico é simples e inquestionável. Pois a cerveja, na sua essência, é majoritariamente água. Para cada litro de cerveja produzido, são necessários até sete litros de água. Portanto, se a água utilizada no processo contém PFAS, esses compostos estarão no produto final — não há mágica nem tecnologia corrente nas cervejarias capaz de eliminar completamente essas moléculas.
O estudo revela que cervejarias localizadas na bacia do rio Cape Fear, na Carolina do Norte, apresentaram os maiores níveis de contaminação. Essa região é conhecida por seus altos índices de poluição por PFAS, reflexo de décadas de descarte industrial e falhas na regulação ambiental.
Cervejas fabricadas em Michigan e Califórnia também exibiram concentrações preocupantes, embora em menor escala. Curiosamente, as amostras de cervejas internacionais — incluindo uma da Holanda e duas do México — mostraram níveis muito mais baixos. Assim sugerindo que esses países possuem sistemas mais eficientes de controle de contaminação ou menor pressão industrial desse tipo de poluente.
Os dados deixam evidente que existe uma correlação direta e previsível: quanto mais contaminada a água da região, maior a carga de PFAS na cerveja.
O Impacto Invisível da Cerveja Contaminada no Corpo Humano
A presença dos PFAS na cerveja não é uma questão estética ou sensorial. Esses compostos não alteram cor, sabor ou aroma. São invisíveis. Mas são tudo, menos inofensivos.
Estudos robustos vinculam os PFAS a uma série de impactos sérios à saúde humana:
- Aumento do risco de câncer, especialmente nos rins e testículos.
- Disfunções hormonais, com efeitos sobre tireoide, fertilidade e desenvolvimento fetal.
- Supressão do sistema imunológico, enfraquecendo a resposta do corpo a infecções e vacinas.
- Acúmulo progressivo no organismo, uma vez que o corpo não consegue metabolizar ou eliminar essas substâncias com facilidade.
O mais alarmante é que não se trata de uma exposição acidental ou pontual. É o consumo contínuo, em pequenas doses, que ao longo dos anos gera uma carga tóxica acumulada no organismo. E isso não vale apenas para cerveja — vale para qualquer produto que use água contaminada como base.
O Que Isso Significa Para o Consumo e Para a Indústria?
O estudo expõe um problema estrutural. As cervejarias, mesmo as de grande porte, possuem sistemas de filtragem voltados para controle microbiológico, sedimentos e minerais. Nenhuma dessas tecnologias convencionais é eficaz contra PFAS.
Isso coloca uma questão crítica para a indústria: será possível ignorar essa contaminação? E, mais grave, será que o consumidor tem consciência de que o problema não está no rótulo, no processo artesanal ou na seleção dos lúpulos, mas na própria base da bebida — a água?
Por outro lado, a ausência de regulamentação específica para PFAS em bebidas alcoólicas escancara uma lacuna sanitária. Hoje, os limites são definidos apenas para água potável. Não existem normas para cervejas, refrigerantes, sucos, nem qualquer outro líquido de consumo humano.
O time de pesquisadores reforça que, enquanto não houver uma política pública sólida para limitar ou eliminar os PFAS da cadeia de abastecimento de água, a contaminação seguirá, silenciosa e cumulativa, alcançando não só a cerveja, mas toda a cadeia alimentar baseada em água.