Um estudo recente publicado na Deviant Behavior revelou que, para algumas mulheres, a submissão em contextos sexuais e românticos (por exemplo, BDSM) pode ter raízes mais profundas do que simples preferências pessoais. Pesquisadores identificaram que mulheres que expressam submissão tanto em relacionamentos sexuais quanto românticos tendem a buscar compromisso e estabilidade em longo prazo. Esse comportamento reflete uma estratégia evolutiva: papéis hierárquicos no relacionamento incentivam a lealdade e o investimento emocional, fortalecem os laços afetivos e promovem uma base estável para o relacionamento.
A pesquisa, liderada pela professora Eva Jozifkova, baseia-se em uma análise evolutiva e psicológica. Ela explora como o BDSM, uma prática que envolve dinâmicas consensuais de poder, pode se conectar a antigos padrões de acasalamento. Segundo essa visão, a submissão feminina pode associar-se a um modelo de vínculo em que o parceiro dominante oferece proteção. Em contrapartida, a pessoa em papel submisso fortalece a relação por meio de lealdade e investimento emocional. Esse vínculo atua como uma espécie de “cola” para o relacionamento.
O Que é BDSM?
BDSM é um termo abrangente que representa uma variedade de práticas e dinâmicas que envolvem consensualmente o poder, a submissão e o prazer. A sigla BDSM refere-se a Bondage (restrição), Disciplina, Dominação e Submissão, e Sadismo e Masoquismo. Essas práticas podem variar de forma significativa e são adaptadas de acordo com os limites e desejos dos envolvidos, sempre com um foco na segurança, comunicação e consentimento.
Significado das Letras
- Bondage e Disciplina (BD): Bondage envolve restrições físicas, como o uso de cordas, algemas ou outros acessórios, para criar uma sensação de limitação e confiança entre as partes. A disciplina, por sua vez, refere-se à criação de regras específicas dentro da dinâmica, nas quais a parte dominante aplica consequências quando essas regras são desrespeitadas.
- Dominação e Submissão (DS): Aqui, os parceiros estabelecem uma estrutura de poder, em que uma pessoa assume o papel de dominante, enquanto a outra adota o papel de submissa. Essas dinâmicas não precisam envolver dor física e podem incluir gestos e práticas focadas em troca de poder, onde o prazer vem da interação emocional e psicológica.
- Sadismo e Masoquismo (SM): Sadismo é a prática de obter prazer ao causar dor ou desconforto (com consentimento), enquanto o masoquismo é o prazer em receber essas sensações. Práticas de sadomasoquismo podem variar, desde interações mais leves até experiências mais intensas, de acordo com o nível de conforto de cada participante.
Consentimento e Segurança
O consentimento é o elemento central do BDSM. O consentimento ocupa o centro das práticas de BDSM. Todos os envolvidos discutem previamente seus limites, expectativas e necessidades, garantindo a segurança de cada prática. A comunidade adota amplamente os conceitos de “SSC” (Seguro, São e Consensual) ou “RACK” (Risco Assumido e Consensual ou Risk-Aware Consensual Kink em inglês) para preservar o bem-estar físico e emocional de todos.
Mitigando Estigmas e Promovendo a Compreensão
Embora o BDSM ainda seja cercado por estigmas e mal-entendidos, muitos praticantes destacam que a prática fortalece a confiança e melhora a comunicação entre parceiros. Hoje, o BDSM é mais amplamente aceito como uma parte legítima das preferências e expressões sexuais humanas, com uma comunidade ativa e apoiada por profissionais da saúde mental.
Motivação da Pesquisa: Vulnerabilidade Social e Histórias Pessoais
A pesquisa de Jozifkova, portanto, foi motivada por suas próprias observações e experiências como estudiosa de comportamento. Em sua trajetória, ela percebeu que havia uma falta de entendimento sobre o BDSM em sua região natal, a República Tcheca pós-comunista. Além disso, barreiras linguísticas e preconceitos tornavam o assunto um tabu. Como resultado, muitas pessoas com preferências BDSM estavam vulneráveis ao abuso e evitavam buscar ajuda. Na época, a prática ainda era vista como um transtorno mental e, por isso, faltava apoio da comunidade médica. Esses fatores, juntos, contribuíam para o isolamento e a exploração de indivíduos submissos, dificultando, assim, a busca por relacionamentos saudáveis e apoio adequado.
Para Jozifkova, esse cenário foi determinante. Ela percebeu que sua pesquisa poderia ajudar a desmistificar essas dinâmicas e reduzir o risco de abuso psicológico, manipulação e violência nos relacionamentos de pessoas com preferências de submissão. Embora a sociedade tenha evoluído, e hoje haja mais apoio e compreensão, as hierarquias sociais e suas implicações continuam a ser desafiadoras. Assim, o estudo busca compreender esses relacionamentos e oferecer uma nova perspectiva sobre como a submissão pode impactar a vida emocional.
Dinâmica de Relacionamentos no BDSM: Diferenças entre Submissão Sexual e Submissão Emocional
Para entender melhor as preferências e os impactos da submissão, as participantes do estudo foram divididas em três grupos. O primeiro grupo incluiu mulheres que se sentiam submissas apenas em atividades sexuais, chamado de grupo PLAY. O segundo grupo, REL, incluiu aquelas que expressavam submissão tanto em relacionamentos românticos quanto sexuais. No terceiro grupo, SWITCH, estavam as mulheres que alternavam entre papéis submissos e dominantes.
O grupo REL, por sua vez, se destacou pela forte inclinação a relacionamentos duradouros e exclusivos. Assim, demonstrando um maior desejo de compromisso e investimento emocional. As mulheres deste grupo, além disso, relataram uma preferência por vínculos monogâmicos e expressaram um forte apego aos parceiros, mostrando, portanto, menos interesse em relações casuais ou abertas. Em contraste, as participantes dos grupos PLAY e SWITCH, que limitavam a submissão ao contexto sexual ou alternavam entre papéis, apresentaram uma abordagem mais flexível e menos voltada para o comprometimento.
Esses achados apoiam a chamada hipótese do “adesivo”, segundo a qual a submissão emocional seria um elemento de coesão nos relacionamentos. A submissão fora do sexo pareceria associar-se a uma busca por estabilidade e exclusividade, sugerindo que a submissão em contextos além do sexual pode ter um papel único no reforço das conexões afetivas.
Vulnerabilidade e Riscos no BDSM: A “Gaiola Social” da Submissão
Apesar de a submissão emocional reforçar vínculos, ela também carrega uma vulnerabilidade. Mulheres do grupo REL, com maior submissão emocional, apresentaram maior risco de permanecer em relacionamentos desequilibrados ou potencialmente abusivos. A dedicação extrema e a inclinação a relações hierárquicas podem, em alguns casos, dificultar o reconhecimento e a evasão de dinâmicas prejudiciais, levando essas mulheres a tolerar situações opressivas devido ao desejo de estabilidade.
Jozifkova introduz o conceito de “gaiola social” para ilustrar como o status hierárquico submisso pode prender pessoas em interações tóxicas. Ela compara essa dinâmica a um funcionário em uma posição subalterna que, mesmo em um ambiente de trabalho prejudicial, sente-se incapaz de sair por depender do emprego para sustentar sua família. Esse cenário aumenta seu nível de estresse e pode afetar sua saúde física e emocional. Assim, a “gaiola social” destaca que, embora a hierarquia possa sustentar algumas relações saudáveis, ela também pode intensificar o sofrimento quando a pessoa subordinada se sente emocionalmente presa. Essa dinâmica funciona de forma semelhante em contextos de relacionamento. Assim, dificultando que indivíduos submissos escapem de relações prejudiciais e criando uma armadilha complicada de se desvencilhar.
Desafios e Avanços na Compreensão do BDSM
Jozifkova observou que, no passado, a falta de entendimento sobre o BDSM contribuía para o preconceito e isolamento das pessoas com essas preferências. Hoje, embora os profissionais de saúde e a sociedade estejam mais abertos e informados, questões hierárquicas ainda representam um desafio significativo para muitas dessas pessoas. Esse contexto histórico e social é crucial para compreender a complexidade de relacionamentos hierárquicos e o papel da submissão no desenvolvimento de laços afetivos duradouros.
A autora defende que, ao lidar com pessoas em posições submissas, é essencial reconhecer as restrições impostas por dinâmicas hierárquicas. Ela sugere que o apoio deve ser empático, considerando a vulnerabilidade inerente a esses papéis.
Considerações Finais e Futuras Pesquisas
Este estudo oferece uma nova perspectiva sobre as estratégias de acasalamento e a importância das dinâmicas hierárquicas, mas apresenta algumas limitações. Os pesquisadores coletaram a amostra de 486 participantes em uma comunidade específica de BDSM e basearam-se em autorrelatos, o que pode introduzir vieses. Assim, as pesquisadoras planejam expandir o escopo para incluir pessoas fora do contexto BDSM, o que permitirá entender melhor essas dinâmicas em grupos mais amplos.
Jozifkova acredita que compreender as preferências de submissão e dominação vai além do estudo de um subgrupo específico. Ela sugere que essas dinâmicas podem ter uma base biológica ou psicológica que influencia a forma como os indivíduos estabelecem vínculos afetivos. A ideia de que um simples gesto de bondade pode ajudar a aliviar o peso emocional da “gaiola social” é um lembrete da importância da empatia ao lidar com essas questões.