A discussão sobre os impactos das mudanças climáticas geralmente se concentra em eventos extremos, como furacões, secas e inundações; no entanto, um aspecto importante muitas vezes fica de lado, a relação entre aquecimento global e depressão. No entanto, um novo estudo publicado no Journal of Affective Disorders revela uma consequência menos visível, mas igualmente preocupante: o aumento da temperatura pode estar diretamente relacionado ao crescimento dos casos de depressão. Os dados sugerem que, a cada aumento de 1°C na temperatura média anual, a probabilidade de uma pessoa desenvolver sintomas depressivos moderados aumenta em 13%.
Os efeitos desse fenômeno são ainda mais acentuados em populações urbanas e em indivíduos que vivem na mesma cidade por mais de 20 anos. Nesses grupos, a chance de desenvolver depressão sobe para 15%. As descobertas são alarmantes, pois sugerem que a crise climática pode estar afetando a saúde mental das pessoas de uma maneira que ainda não compreendemos completamente.
Como a Pesquisa Sobre Aquecimento Global e Depressão Foi Conduzida?
O estudo, liderado por Horim A. Hwang e colegas, analisou dados do Korea Community Health Survey, um levantamento anual que coleta informações sobre a saúde da população adulta da Coreia do Sul. No total, foram incluídos dados de 219.187 indivíduos residentes no continente, excluindo-se habitantes de ilhas.
Para medir os sintomas depressivos, os pesquisadores usaram o questionário PHQ-9, uma ferramenta amplamente utilizada para avaliar a gravidade da depressão. Assim, os participantes com escores acima de 10 foram classificados como tendo pelo menos sintomas moderados da condição.
Os pesquisadores compararam esses dados de saúde mental com os registros de temperatura de cada região, analisando o impacto das mudanças de temperatura desde o período de referência (1961-1990). Os pesquisadores realizaram análises estatísticas para identificar padrões de correlação entre o aumento da temperatura e os sintomas depressivos.
Urbanização e Vulnerabilidade: A Depressão se Intensifica nas Cidades
Os resultados foram intrigantes. Nos distritos urbanos, a temperatura média anual em 2021 era 1,2°C mais alta do que na década de 1960. No entanto, nas áreas rurais, não houve alteração significativa. Essa diferença de comportamento nos dados é crucial, pois sugere que as cidades estão se tornando caldeirões de estresse térmico, aumentando significativamente o risco de transtornos mentais.
O impacto foi ainda mais drástico quando os pesquisadores analisaram indivíduos que moravam na mesma cidade por mais de 20 anos. Para esse grupo, o risco de sintomas depressivos crescia 15% a cada aumento de 1°C. Essa associação foi particularmente forte nos distritos urbanos, onde a probabilidade de depressão subiu para 22% para cada grau extra de temperatura.
Por que as cidades estão sofrendo tanto com esse fenômeno? Uma das razões é o efeito “ilha de calor urbana”. Prédios de concreto, asfalto e falta de vegetação fazem com que as temperaturas em centros urbanos sejam mais altas do que em áreas rurais. Além disso, o ritmo acelerado da vida urbana pode amplificar o impacto das altas temperaturas na saúde mental.
O Clima Como Fator de Estresse Crônico
A conexão entre mudanças climáticas e transtornos mentais é complexa, mas faz sentido quando se considera o impacto fisiológico e emocional do calor extremo. Altas temperaturas podem causar distúrbios do sono, aumentar os níveis de irritabilidade e reduzir a capacidade do corpo de lidar com o estresse. Também podem agravar condições de saúde preexistentes, aumentando os níveis de ansiedade e depressão.
Além disso, temperaturas mais altas podem reduzir a interação social. Nos meses de calor extremo, as pessoas tendem a evitar espaços públicos e se isolar em casa. Esse isolamento pode contribuir para a solidão e piora da saúde mental. Outro fator relevante é o impacto econômico do aquecimento global: perdas na produtividade, aumento dos custos de energia e desafios de infraestrutura também afetam o bem-estar psicológico das pessoas.
O Debate Científico e as Possíveis Soluções para Aquecimento Global e Depressão
Ainda que a relação entre temperatura e depressão seja clara, os autores do estudo ressaltam que os dados não permitem afirmar que o aumento da temperatura é a causa direta dos transtornos depressivos. Existem outros fatores socioeconômicos que podem estar influenciando essa associação, como desemprego, desigualdade social e poluição do ar.
Isso não significa, no entanto, que podemos ignorar o problema. A solução exige um conjunto de medidas, como aumentar áreas verdes em cidades, investir em infraestrutura resiliente ao calor e conscientizar a população sobre os riscos da exposição térmica prolongada. Além disso, é essencial que governos e organizações de saúde incluam a saúde mental como parte dos impactos indiretos da crise climática.
Se ignorarmos essa relação, corremos o risco de enfrentar uma “pandemia silenciosa” de transtornos mentais impulsionada pelo aquecimento global. Portanto, o problema já está aqui, e não podemos nos dar ao luxo de fingir que ele não existe.
Referência
Hwang, H. A., Kim, A., Lee, W., Yim, H. W., & Bae, S. (2024). Association between increase in temperature due to climate change and depressive symptoms in Korea. Journal of Affective Disorders. Link para o artigo.