As fronteiras da neurociência dos psicodélicos acabam de avançar mais um passo. Um novo estudo publicado no Journal of Psychopharmacology revelou que uma única dose de psilocibina é capaz de provocar mudanças profundas na expressão de genes ligados a neuropeptídeos no hipotálamo de ratos, enquanto a ketamina produz efeitos muito mais restritos. Essas alterações têm implicações diretas para sistemas que regulam humor, apetite e resposta ao estresse. Assim, lançando luz sobre potenciais mecanismos moleculares que sustentam os efeitos antidepressivos e moduladores de apetite dessas substâncias.
Psilocibina, o composto psicoativo dos cogumelos mágicos, age principalmente sobre receptores serotoninérgicos, enquanto a ketamina, anestésico dissociativo com ação antidepressiva rápida, bloqueia os receptores NMDA do glutamato. Embora ambos estejam no centro das pesquisas sobre novos tratamentos para depressão, ainda pouco se sabia sobre como afetam regiões cerebrais profundas como o hipotálamo, responsável por regular fome, temperatura, sono e emoções básicas.
O novo estudo, fruto de uma colaboração entre universidades da Polônia e do Reino Unido, mergulhou fundo nessas questões. Ao investigar a expressão de genes ligados a diferentes neuropeptídeos e receptores serotoninérgicos no hipotálamo, os autores ampliaram o leque de perguntas sobre como psicodélicos interagem com circuitos que sustentam tanto a regulação emocional quanto fisiológica.
Detalhes do Estudo: O Que Acontece no Hipotálamo Após Psicodélicos
Os pesquisadores utilizaram ratos Wistar–Han adultos, expostos a doses únicas de psilocibina (2 mg/kg ou 10 mg/kg) ou ketamina (10 mg/kg). Sete dias após a administração, analisaram o hipotálamo dos animais, quantificando os níveis de mRNA de neuropeptídeos como nesfatina-1, phoenixin, spexin, neuromedina U, neuropeptídeo S e 26RFa. Além disso, também exploraram o efeito em vários receptores serotoninérgicos.
Os resultados foram marcantes. Com a dose mais alta de psilocibina, observou-se aumento expressivo na expressão de genes para vários neuropeptídeos e receptores — incluindo phoenixin, nesfatina-1, neuropeptídeo S, além dos receptores GPR173, NPSR e MC4R. Também houve aumento de expressão dos receptores 5-HT1A, 5-HT2A e 5-HT2B, todos ligados ao sistema serotoninérgico, enquanto o receptor 5-HT2C não foi afetado. Em contraste, a neuromedina U, conhecida por suprimir apetite, apresentou expressão reduzida, sugerindo que a psilocibina pode modular tanto sinais de saciedade quanto de fome.
A ketamina, por outro lado, mostrou um perfil muito mais restrito. Pois aumentou apenas a expressão de NUCB2, GPR173 e POMC, sem impactar significativamente outros neuropeptídeos ou receptores serotoninérgicos avaliados. Esses achados sugerem que, embora ambos os psicodélicos possam influenciar o hipotálamo, fazem isso por vias distintas e com intensidades diferentes.
Implicações, Limitações e Novos Caminhos para Pesquisa
O estudo reforça a hipótese de que psilocibina tem potencial de atuar em múltiplas frentes: da modulação do humor ao controle do apetite. O aumento de neuropeptídeos associados tanto à saciedade quanto ao apetite aponta para uma rede complexa de ajustes neuroquímicos. Dessa forma, podendo ajudar a explicar efeitos positivos da psilocibina observados em quadros como depressão resistente e anorexia nervosa. Por exemplo, um estudo recente mostrou que a psilocibina reduziu sintomas em mulheres com anorexia, condição frequentemente relacionada a desregulação do hipotálamo.
Ainda assim, a pesquisa apresenta limites importantes. Medidas de expressão gênica (mRNA) apontam para alterações potenciais na produção de proteínas, mas não garantem mudanças funcionais nos neuropeptídeos ou no comportamento real dos animais. O estudo também não abordou diretamente efeitos em ingestão alimentar, níveis hormonais ou resposta ao estresse. O uso de modelos animais, embora útil para controlar variáveis, não replica integralmente os componentes cognitivos e emocionais de transtornos humanos como depressão ou anorexia.
A quantidade limitada de animais e o foco exclusivo em expressão genética, sem validação proteica ou comportamental, sugerem que novos estudos são necessários. Avaliações futuras devem explorar como essas mudanças moleculares se traduzem em comportamento, homeostase energética e até desfechos clínicos em humanos.
O Futuro da Psicofarmacologia: Potenciais Terapêuticos e Novas Perguntas
As descobertas abrem caminhos para explorar os efeitos dos psicodélicos em circuitos cerebrais tradicionalmente menos estudados, como o hipotálamo. Entender como essas substâncias reconfiguram sinais neuroquímicos pode ajudar a explicar sua ação em diferentes transtornos, desde depressão até distúrbios alimentares e condições ligadas ao estresse.
Pesquisas futuras precisarão mapear se essas alterações de expressão gênica persistem, levam a mudanças proteicas duradouras, influenciam hormônios e comportamentos e como fatores como estresse crônico ou exposição repetida modulam essas respostas. Se comprovadas em humanos, essas descobertas poderão fundamentar novos tratamentos para quadros ligados à regulação do humor, apetite e fisiologia básica.