Veteranos militares enfrentam riscos elevados de depressão, transtorno de estresse pós-traumático (PTSD) e grandes dificuldades de reinserção social ao voltar à vida civil. Um novo estudo publicado em Brain and Behavior aponta que retiros com substâncias psicodélicas — como psilocibina e ayahuasca — podem oferecer alívio significativo para esses desafios, promovendo melhorias rápidas em saúde mental e adaptação à rotina fora do ambiente militar.
O estudo, conduzido em parceria com o Heroic Hearts Project e universidades britânicas, acompanhou 58 veteranos que participaram de retiros com psilocibina na Jamaica ou ayahuasca no Peru. Todos passaram por triagem rigorosa antes de integrar o programa, garantindo estabilidade médica e ausência de contraindicações. Além das experiências psicodélicas, o processo envolveu sessões individuais e em grupo para preparar, integrar e refletir sobre as vivências. Pois é um componente reconhecido como essencial no potencial terapêutico do ritual.
As avaliações, realizadas antes do retiro e quatro semanas após o retorno, incluíram questionários validados para medir sintomas de PTSD, depressão, ansiedade, qualidade do sono, bem-estar e sucesso na reintegração civil. Os resultados impressionaram: depressão caiu em média 29% e PTSD 26%, com melhorias também em ansiedade, sono e sintomas pós-concussão. Dificuldades na reintegração caíram 18%, mostrando que o impacto vai além do alívio sintomático, chegando à transformação social e psicológica.
Psilocibina, Ayahuasca e o Papel da Comunidade no Processo de Cura
Embora ambos os grupos tenham apresentado ganhos expressivos, participantes dos retiros de psilocibina relataram maior melhora geral — especialmente em sintomas depressivos, ansiedade e questões pós-concussão. Já os veteranos que tomaram ayahuasca relataram reduções ligeiramente maiores nos sintomas de PTSD. O estudo identificou ainda que aqueles que chegaram ao programa com quadros mais graves de depressão ou PTSD foram os que mais se beneficiaram. Assim, sugerindo que o modelo pode ser especialmente útil para casos refratários ao tratamento convencional.
O papel da comunidade também merece destaque. Sessões de coaching coletivo e individual proporcionaram espaço para reflexão, integração emocional e construção de vínculo entre veteranos. Essa dimensão de apoio mútuo é frequentemente ausente nos sistemas tradicionais de saúde mental. No entanto, demonstrou ser catalisadora no processo de reconexão social e significado pós-trauma. A combinação de experiência psicodélica, preparação e suporte integrado oferece um modelo inovador e mais holístico do que abordagens farmacológicas isoladas.
Os resultados, contudo, variaram conforme gênero: homens mostraram maiores melhorias em depressão, ansiedade e reintegração. Po outro lado, mulheres — apesar do número reduzido na amostra — relataram reduções mais expressivas em PTSD. Essa diferenciação aponta para a necessidade de protocolos flexíveis e sensíveis às especificidades individuais.
Limitações, Perspectivas Futuras e o Desafio Da Escala Segura para Retiros Psicodélicos
Apesar dos achados animadores, os autores reconhecem limitações. O estudo foi observacional, sem grupo de controle ou placebo, tornando difícil separar os efeitos da substância psicodélica do impacto do ambiente de retiro ou do suporte social oferecido. Muitos participantes já tinham expectativas positivas sobre o tratamento, o que pode influenciar os resultados. Além disso, a avaliação ocorreu apenas quatro semanas após o retiro — não há dados de longo prazo sobre manutenção dos benefícios.
A ausência de dados sistemáticos sobre doses administradas e possíveis efeitos adversos limita ainda a avaliação completa de riscos. Futuros estudos randomizados e com maior rigor metodológico serão essenciais para validar e expandir esses achados, especialmente considerando populações com histórico clínico diverso.
A visão dos pesquisadores e do Heroic Hearts Project é ampliar o acesso seguro e responsável a esse tipo de intervenção, desenvolvendo evidências robustas e compartilhando melhores práticas. A esperança é que, a partir do acúmulo de dados e experiências, retiros psicodélicos possam ser reconhecidos como alternativa viável, eficaz e ética para populações vulneráveis. Dessa forma, acelerando a reintegração social e o bem-estar de veteranos e suas famílias.
O artigo, “Exploring the Therapeutic Effects of Psychedelics Administered to Military Veterans in Naturalistic Retreat Settings”, assinado por Megan Calnan, Grace Blest-Hopley e colaboradores, inaugura um debate promissor sobre inovação terapêutica, saúde mental e reconstrução de propósito após o trauma.
