Um novo estudo da Universidade de Montreal, publicado na Communications Biology em 2025, lança luz sobre os efeitos da cafeína no sono – e o resultado vai muito além de apenas tirar o sono. O experimento, liderado por Karim Jerbi e Julie Carrier, analisou 40 adultos de 20 a 27 anos em laboratório. Cada voluntário dormiu duas noites sob monitoramento de eletroencefalograma (EEG). Assim, uma noite com placebo, outra após ingerir uma cápsula com 200 mg de cafeína (o equivalente a até duas xícaras de café).
Os resultados apontaram um aumento inusitado na “complexidade dos sinais cerebrais” sob o efeito da cafeína. Em termos científicos, o cérebro se aproximou de um estado chamado “criticidade”. O qual representa um equilíbrio entre ordem e flexibilidade que, em teoria, seria ótimo para processar informações quando estamos acordados. Mas à noite, essa ativação cerebral adicional pode ser prejudicial. O sono, que deveria ser um período de desligamento restaurador, se torna mais “excitado”, dificultando a recuperação plena.
Além disso, a pesquisa detalhou como a cafeína altera ritmos fundamentais do cérebro durante o sono. Pois acaba enfraquecendo oscilações elétricas lentas – como as ondas delta, teta e alfa –. Isso ocorre principalmente na fase NREM, essencial para a consolidação da memória e a restauração cognitiva. A interferência nesses padrões pode ajudar a explicar por que noites mal dormidas após consumo de cafeína resultam em sensação de cansaço mental e falhas na memória.
O Que Significa “Criticidade” e Por Que Isso Importa Para Seu Descanso
O conceito de “criticidade” é central para entender os achados desse estudo. Imagine o cérebro como um sistema em busca de equilíbrio: se for muito rígido, perde flexibilidade para aprender; se for caótico, perde eficiência. O estado de criticidade representa esse ponto ótimo entre estrutura e adaptabilidade, fundamental para tomar decisões rápidas e aprender quando estamos alertas.
Contudo, durante o sono, o cérebro deveria buscar justamente o oposto: um estado de baixa complexidade, capaz de consolidar informações e promover restauração metabólica. Ao induzir um cérebro “mais crítico” durante o sono, a cafeína impede que ele se desligue completamente. Assim, mantendo redes neurais em alto funcionamento quando o ideal seria repouso profundo.
Outro aspecto intrigante do estudo foi o uso de métodos estatísticos avançados para comprovar que as mudanças no EEG realmente estavam associadas à cafeína, não a variações aleatórias. Ao enfraquecer oscilações lentas e estimular padrões mais complexos, a substância compromete processos fundamentais para a saúde cerebral a longo prazo.
Diferenças Por Faixa Etária dos Efeitos da Cafeína no Sono e o Papel Da Adenosina
O efeito da cafeína durante o sono não é igual para todos. Os pesquisadores observaram que adultos jovens (20-27 anos) são mais sensíveis às alterações induzidas pela cafeína. Isso ocorre, em parte, porque cérebros mais jovens possuem maior quantidade de receptores de adenosina – moléculas responsáveis por sinalizar a necessidade de descanso. Durante o dia, adenosina se acumula, provocando sonolência à noite. Ao bloquear esses receptores, a cafeína não só dificulta o sono, mas altera os padrões neurais mesmo durante o repouso.
Esse dado explica por que jovens tendem a sofrer mais com os efeitos negativos do café tomado à noite, tanto em termos de insônia quanto de cansaço mental no dia seguinte. Já em cérebros mais velhos, a diminuição dos receptores de adenosina torna a ação da cafeína menos pronunciada, embora seus impactos ainda estejam presentes.
Vale destacar que a pesquisa não se limitou ao café: o consumo cotidiano de cafeína se dá por meio de chás, refrigerantes, chocolates, energéticos e até medicamentos. A ubiquidade desse estimulante reforça a importância de entender como ele age no cérebro – e de considerar não apenas o efeito de curto prazo, mas também as consequências para a qualidade do sono e a saúde mental a longo prazo.
Implicações dos Efeitos da Cafeína no Sono Para Memória, Cognição E Saúde Mental
O estudo canadense revela um ponto pouco abordado no senso comum: a cafeína não apenas atrapalha o sono, mas muda o modo como o cérebro “funciona” durante o sono. Ao enfraquecer as ondas lentas, especialmente durante o sono NREM, a substância pode prejudicar a consolidação de memórias e a “recarga” de funções cognitivas. Isso tem consequências práticas para estudantes, profissionais e qualquer pessoa que dependa de raciocínio afiado e boa memória no dia seguinte.
Além disso, o sono fragmentado e de menor qualidade causado pela cafeína pode estar associado a maior risco de problemas de humor, ansiedade e redução da performance mental. Pesquisas futuras podem aprofundar o entendimento sobre a relação entre o consumo crônico de cafeína, distúrbios do sono e riscos para a saúde cerebral, especialmente entre os mais jovens.
O artigo dos pesquisadores da Universidade de Montreal destaca, ainda, que o equilíbrio entre uso racional da cafeína e práticas saudáveis de sono é essencial para aproveitar seus benefícios sem comprometer a saúde. O segredo pode estar no horário e na dose: para quem valoriza produtividade e bem-estar mental, consumir cafeína longe do período noturno é uma escolha estratégica.