O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), há muito considerado exclusivo da infância, permanece presente em cerca de 3,4% dos adultos no mundo. O impacto vai além da dificuldade de manter o foco: prejuízos em funções executivas, planejamento, controle emocional e organização tendem a se intensificar conforme crescem as responsabilidades adultas, afetando diretamente desempenho acadêmico, produtividade no trabalho e relacionamentos. Adultos com TDAH frequentemente convivem com transtornos psiquiátricos associados, como depressão, ansiedade e abuso de substâncias, tornando o manejo clínico ainda mais complexo.
Nos últimos anos, a abordagem ao tratamento do TDAH em adultos tem evoluído, integrando intervenções comportamentais e psicoeducacionais com o uso de medicamentos. Entre os tratamentos farmacológicos, os estimulantes — principalmente derivados de anfetamina e metilfenidato — se destacam pela eficácia comprovada, mas levantam dúvidas quanto ao potencial de abuso, especialmente em adultos. É nesse contexto que a lisdexamfetamina surge como protagonista. O qual representa um pró-fármaco de liberação prolongada desenvolvido para unir eficácia terapêutica, praticidade posológica e menor risco de desvio.
Propriedades Farmacológicas e Vantagens da Lisdexamfetamina
A lisdexamfetamina é um pró-fármaco farmacologicamente inativo, composto por lisina ligada covalentemente à dextroanfetamina. Ao ser administrada por via oral, o organismo absorve rapidamente a substância e a converte em sua forma ativa, liberando dextroanfetamina e lisina. Diferente dos estimulantes tradicionais, esse mecanismo dificulta o uso não terapêutico por outras vias, como inalação ou injeção, tornando-a menos vulnerável ao abuso.
Os estudos de farmacocinética demonstram que, em adultos, a lisdexamfetamina atinge o pico plasmático da substância ativa em cerca de 3 horas. Dessa forma, mantendo ação prolongada ao longo do dia, o que favorece o regime de dose única diária. Sua metabolização independe do sistema citocromo P450, minimizando o risco de interações medicamentosas. Além disso, sua eliminação se dá predominantemente por via renal, com adaptações de dose recomendadas apenas em casos de insuficiência renal severa.
A estabilidade dos níveis plasmáticos, aliada à previsibilidade do efeito terapêutico, proporciona benefícios em adesão ao tratamento e controle dos sintomas ao longo do dia. Sendo estes, aspectos cruciais para o cotidiano de adultos com TDAH.
Eficácia Clínica da Lisdexamfetamina: Evidências em Sintomas, Funções Executivas e Qualidade de Vida
A eficácia da lisdexamfetamina em adultos foi robustamente demonstrada em ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo, realizados nos Estados Unidos e analisados por Frampton (2016). Em estudos de curta duração (2 a 10 semanas), doses entre 30 e 70 mg diárias proporcionaram melhora significativa dos sintomas. Mensuraram a melhora utilizando escalas validadas como ADHD-RS-IV e CGI-I, que registraram tamanhos de efeito elevados (acima de 0,8). A melhora apareceu já na primeira semana de uso e se manteve durante todo o tratamento.
Além da redução dos sintomas nucleares do TDAH, a lisdexamfetamina demonstrou impacto positivo sobre funções executivas. Por exemplo planejamento, memória operacional, organização e autorregulação — avaliadas por instrumentos como BRIEF-A e testes objetivos de desempenho em ambiente de trabalho simulado. Pacientes inicialmente classificados com déficits executivos clínicos apresentaram queda significativa nos escores de comprometimento, retornando a níveis considerados normais após 10 semanas.
Outro ponto relevante foi a melhora consistente na qualidade de vida, verificada por instrumentos específicos para adultos com TDAH. Assim, englobando domínios como desempenho diário, relações interpessoais e bem-estar geral. Essa evolução não se restringiu a pacientes virgens de tratamento: indivíduos que não haviam respondido adequadamente a terapias prévias, incluindo metilfenidato, também se beneficiaram da introdução da lisdexamfetamina.
Ensaios de longa duração (até 52 semanas) confirmaram a manutenção do benefício, com taxas superiores a 80% de resposta clínica sustentada e cerca de dois terços dos pacientes alcançando remissão sintomática ao final do acompanhamento. Cabe ressaltar que a suspensão abrupta do medicamento em pacientes estabilizados levou a recaída dos sintomas em até 75% dos casos em poucas semanas, reforçando a importância da continuidade do tratamento em longo prazo.
Segurança, Tolerabilidade e Considerações para Prática Clínica
A lisdexamfetamina demonstrou perfil de segurança similar ao de outros estimulantes de liberação prolongada, com eventos adversos geralmente leves ou moderados. Entre os efeitos mais comuns estão redução do apetite, boca seca, insônia, irritabilidade, dor de cabeça e discreta perda de peso. Em ensaios de um ano, menos de 10% dos pacientes interromperam o tratamento por efeitos adversos. Pequenos aumentos na pressão arterial e frequência cardíaca foram observados, mas sem repercussões clínicas relevantes em adultos saudáveis.
Eventos cardiovasculares graves ocorreram raramente, mas recomenda-se evitar o uso em indivíduos com anormalidades cardíacas estruturais, arritmias graves ou doenças coronarianas. Recomenda-se monitorar regularmente a pressão arterial e a frequência cardíaca, principalmente no início do tratamento e em pacientes com fatores de risco.
Quanto ao potencial de abuso, a estrutura de pró-fármaco da lisdexamfetamina limita significativamente a possibilidade de uso recreativo, sendo a taxa de uso não médico menor que a observada com estimulantes de liberação imediata. Ainda assim, a avaliação prévia do risco e o monitoramento contínuo permanecem mandatórios durante todo o tratamento.
Contexto Internacional e Considerações Econômicas sobre a Lisdexamfetamina
A aprovação da lisdexamfetamina para adultos com TDAH se consolidou inicialmente no Reino Unido, Suécia e Dinamarca, refletindo dados sólidos de eficácia e segurança. A recomendação do NICE no Reino Unido indica o uso preferencial do metilfenidato como primeira linha, reservando anfetaminas de liberação prolongada para casos refratários, especialmente pelo menor risco de abuso em relação às formulações de curta duração.
Não existem, até o momento, comparações diretas entre lisdexamfetamina e outros estimulantes ou não-estimulantes em adultos. Estudos econômicos sugerem que, para o sistema público de saúde britânico, a lisdexamfetamina pode ser custo-efetiva, especialmente em substituição ao atomoxetina, considerando ganhos em qualidade de vida e adesão.
Um aspecto relevante: a maioria dos estudos foi conduzida nos Estados Unidos, o que pode limitar a generalização total dos dados para contextos europeus ou latino-americanos. Ainda assim, metanálises sugerem que a magnitude do efeito terapêutico pode ser até maior em adultos europeus, possivelmente devido a diferenças nos critérios diagnósticos e gravidade dos quadros acompanhados nesses países