Ava Green, City St George’s, University of London
Apesar de exalarem confiança, pessoas narcisistas anseiam incessantemente por admiração. Em outras palavras, elas são incapazes de se convencer de seu próprio brilho.
Pesquisas crescentes mostram que a lacuna entre percepção e realidade para pessoas narcisistas é muito mais profunda do que suas visões infladas sobre aparência, conquistas e habilidades.
O narcisismo é um traço de personalidade que existe em um espectro, onde a extremidade inferior reflete um equilíbrio saudável de autoestima e confiança. No extremo mais alto do espectro, no entanto, o narcisismo é considerado um transtorno de personalidade que afeta 1-2% da população. A maioria de nós manifesta traços narcisistas em graus variados, mas quanto mais elevadas são as características, maior a lacuna entre percepção e realidade.
Pessoas narcisistas com características elevadas frequentemente menosprezam qualquer um que não lhes dê o tratamento especial que acreditam merecer. Ironicamente, elas constantemente minam o falso self que tentam construir e manter.
Elas podem responder rapidamente com raiva e agressão a críticas, na tentativa de proteger seu senso grandioso, mas frágil, de si mesmas. Um estudo britânico de 2021 descobriu que elas experimentam mais paranoia, mesmo quando não há evidências de que as pessoas pretendam prejudicá-las, em comparação com pessoas com níveis mais baixos de narcisismo.
Da mesma forma, pesquisas recentes de psicólogos norte-americanos descobriram que pessoas narcisistas experimentavam um medo intenso de serem excluídas e acusavam outras de deliberadamente as ostracizar, mesmo sem evidências para apoiar essa crença.
O estudo descobriu que participantes com altos traços narcisistas eram mais propensos a interpretar pistas sociais ambíguas como rejeição (por exemplo, uma mensagem de texto atrasada). Isso sugere que suas percepções do comportamento social podem ser distorcidas.
Narcisismo E Ostracismo Alimentam Um Ao Outro
O narcisismo pode ser expresso em características “vulneráveis” (socialmente inibidas e neuróticas) e “grandiosas” (dominantes e extrovertidas). Pessoas com características mais grandiosas são abertamente assertivas e autopromotoras. Pessoas com características mais vulneráveis tendem a ser externamente angustiadas, hipersensíveis e inibidas.
Embora sejam formas distintas de narcisismo, elas compartilham um núcleo de direito e um estilo de caráter antagônico. E assim como todos exibimos diferentes graus de traços narcisistas, também flutuamos entre essas duas expressões de narcisismo.
Os pesquisadores norte-americanos optaram por focar apenas no narcisismo grandioso. O estudo diferenciou duas facetas do narcisismo grandioso: a admiração narcisista (a capacidade de encantar e manipular pessoas) e a rivalidade narcisista, que inclui desvalorizar e agir de forma agressiva com os outros.
A equipe de pesquisa analisou dados de mais de 77.000 participantes de uma série de sete estudos realizados por outros cientistas entre 2009 e 2022. Os dois primeiros estudos investigaram a relação entre narcisismo e ostracismo usando pesquisas e amostragem de experiência (um método usado para investigar a cognição e o comportamento dos participantes fora do laboratório – por exemplo, usando smartphones para rastrear seu comportamento).
O primeiro estudo descobriu que pessoas que relataram níveis mais altos de narcisismo disseram ter experimentado significativamente mais ostracismo em comparação com outros participantes. Isso foi confirmado pelo segundo estudo, no qual os participantes completaram avaliações de narcisismo e depois relataram sentimentos de ostracismo em um período de 14 dias, usando um aplicativo móvel.
Os experimentos restantes examinaram como pessoas com níveis mais altos de narcisismo percebem interações sociais ambíguas e como outras respondem a traços narcisistas. Após uma tarefa em grupo, pessoas com traços mais altos de rivalidade narcisista eram mais propensas a serem ostracizadas, mesmo quando os outros participantes não sabiam que o alvo tinha níveis elevados de narcisismo.
Isso corrobora os resultados de um metaestudo de 2017 que mostrou que pessoas com alta rivalidade narcisista podem provocar conflitos diretos por meio de seu comportamento e perceber os outros mais negativamente.
Os pesquisadores norte-americanos concluíram que, embora características narcisistas possam alimentar a exclusão social, o ostracismo em si pode, ao longo do tempo, contribuir para traços narcisistas mais pronunciados. Parece que o ostracismo pode tornar pessoas já altamente narcisistas ainda mais narcisistas.
Outras pesquisas também mostraram disparidade entre o self narcisista e a realidade e o papel que a paranoia desempenha nessa relação. Por exemplo, um estudo de 2015 descobriu que níveis elevados de narcisismo estão associados à crença em teorias da conspiração. Essa associação foi impulsionada por pensamentos paranoides.
Essas descobertas são preocupantes, considerando as consequências prejudiciais das teorias da conspiração para a sociedade. Elas podem alimentar violência, negação climática e hesitação vacinal.
Características de personalidade narcisista também tendem a ser mais altas entre líderes políticos do que na população em geral. Teorias da conspiração podem ser atraentes para políticos – especialmente em momentos que desafiam sua necessidade de superioridade e poder.
O Self Ideal E O Self Real
As descobertas do estudo norte-americano têm implicações práticas para intervenções voltadas a pessoas com altos níveis de narcisismo. Os pesquisadores disseram que as intervenções não devem apenas tentar melhorar os relacionamentos identificando fatores de risco de personalidade (neste caso, o componente de rivalidade do narcisismo), mas também considerar as percepções da pessoa envolvida.
O transtorno de personalidade narcisista vem com um maior risco de suicídio e dificuldades de saúde mental, e o tratamento raramente faz muita diferença. Isso ocorre em parte porque os pacientes resistem a abandonar o “self ideal”, levando a frustração, raiva e conflito com seu terapeuta.
Mas algumas intervenções poderiam visar as distorções cognitivas de pessoas narcisistas que prejudicam sua capacidade de funcionar na sociedade. Por exemplo, terapias psicológicas poderiam ajudá-las a processar os mecanismos defensivos (supervalorizar a si mesmas) que mascaram sentimentos subjacentes de vulnerabilidade.
Ajudar pessoas narcisistas a desenvolver maior insight sobre suas reações habituais – como responder agressivamente a ameaças à autoestima e sentimentos de exclusão social – poderia ajudá-las a cultivar habilidades que remodelam suas distorções cognitivas. Isso poderia aliviar o sofrimento, a raiva e a hostilidade em pessoas narcisistas – e nas pessoas ao seu redor.
Ava Green, Professora de Psicologia Forense, City St George’s, University of London
Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
