O tratamento de câncer de mama triplo-negativo metastático tem sido um dos maiores desafios na oncologia, dado o comportamento agressivo desse tipo de tumor e a limitada eficácia das opções terapêuticas disponíveis. Felizmente, inovações como o sacituzumab govitecan (Trodelvy) estão trazendo uma nova perspectiva para pacientes que enfrentam esse cenário. Este medicamento combina terapia direcionada e quimioterapia, com um mecanismo único que melhora as chances de sucesso.
O que é Câncer de Mama Triplo-Negativo Metastático?
O câncer de mama triplo-negativo metastático é um tipo agressivo de câncer de mama que se espalhou para outras partes do corpo. Os pesquisadores dão o nome “triplo-negativo” porque as células cancerosas não possuem três receptores que normalmente ajudam a direcionar o tratamento: os receptores de estrogênio, progesterona e HER2. Isso torna o tratamento mais difícil, já que opções comuns, como terapias hormonais, não funcionam. É uma forma mais grave da doença, com poucas opções de tratamento eficazes.
Entenda os Receptores
Receptores de estrogênio, progesterona e HER2 são proteínas que podem estar presentes na superfície das células do câncer de mama e influenciam no crescimento do tumor.
- Receptor de estrogênio (ER): Quando as células cancerosas têm esse receptor, significa que o hormônio estrogênio estimula o crescimento do câncer.
- Receptor de progesterona (PR): De forma semelhante, se o tumor possui o receptor de progesterona, esse hormônio pode ajudar a célula cancerosa a crescer.
- HER2: É uma proteína que, quando presente em grande quantidade, faz com que as células do câncer de mama cresçam mais rapidamente.
Esses receptores são importantes porque ajudam a definir o tratamento. Se um tumor é “positivo” para algum desses receptores, terapias específicas podem bloquear o hormônio ou a proteína, ajudando a controlar o câncer. No caso do câncer de mama triplo-negativo, o tumor não tem nenhum desses três receptores, tornando o tratamento mais complicado.
O Mecanismo de Ação do Sacituzumab Govitecan: Mais do que Simples Quimioterapia
Diferentemente das terapias convencionais, que atacam células cancerosas e saudáveis de forma indiscriminada, o sacituzumab govitecan é um conjugado anticorpo-fármaco (ADC). Em outras palavars, representa uma “fusão” de um anticorpo específico com um quimioterápico poderoso. Essa combinação permite uma entrega direcionada do fármaco às células tumorais, tornando o tratamento mais eficaz e menos tóxico para o restante do corpo.
O sacituzumab govitecan é menos tóxico porque, ao contrário da quimioterapia tradicional, ele atua de forma direcionada. O alvo do sacituzumab govitecan é uma proteína chamada Trop-2, altamente expressa nas células de câncer de mama triplo-negativo. O anticorpo no medicamento se liga ao Trop-2 como uma chave em uma fechadura, carregando o quimioterápico SN-38 diretamente para as células cancerosas.
Mas por que o Sacituzumab Govitecan é tão revolucionário?
Ao agir diretamente no tumor, o sacituzumab govitecan ataca as células cancerosas de forma mais precisa. Dessa forma, causando menos danos às células saudáveis e, assim, reduzindo os efeitos colaterais comuns da quimioterapia, como queda de cabelo e fadiga. Além disso, o quimioterápico SN-38, liberado nas células tumorais, também pode atingir células cancerosas próximas, mesmo antes de ser completamente absorvido. Esse processo, chamado de “efeito espectador”, permite que o tratamento atinja não só as células-alvo, mas também outras células malignas ao redor. Assim, ampliando a eficácia do medicamento sem aumentar a toxicidade para o corpo.
Quem Pode se Beneficiar do Sacituzumab Govitecan?
Os médicos indicam o sacituzumab govitecan para pacientes com câncer de mama triplo-negativo metastático, especialmente para aqueles que já passaram por múltiplas linhas de tratamento. Isso significa que esses pacientes já receberam diferentes tipos de medicamentos, como taxanos, antraciclinas e carboplatina, que são quimioterápicos comumente utilizados nas etapas iniciais do tratamento. No entanto, quando esses tratamentos falham em controlar a doença ou o câncer desenvolve resistência, as opções se tornam limitadas. O sacituzumab govitecan surge como uma nova alternativa para esses pacientes, oferecendo esperança em um momento em que outras terapias já não são eficazes.
De acordo com os resultados do estudo ASCENT, o sacituzumab govitecan mostrou benefícios claros mesmo para pacientes em situações mais complexas. Por exemplo, aqueles com metástases no fígado e que já haviam recebido tratamentos anteriores com inibidores de PD-1 ou PD-L1, dois tipos de imunoterapia. Esses resultados demonstram a versatilidade do medicamento no tratamento de casos avançados e resistentes a outras terapias. Além disso, pacientes com mais de 65 anos, um grupo muitas vezes excluído de tratamentos mais agressivos devido a maiores riscos de efeitos colaterais, também responderam bem ao sacituzumab govitecan. Este grupo apresentou uma mediana de sobrevida livre de progressão de 7,1 meses, o que reforça o potencial desse medicamento em diferentes perfis de pacientes.
Estudo ASCENT
O estudo ASCENT foi um ensaio clínico de fase 3 que avaliou a eficácia e segurança do sacituzumab govitecan em pacientes com câncer de mama triplo-negativo metastático. Nesse estudo, os pacientes foram divididos aleatoriamente para receber sacituzumab govitecan ou quimioterapia convencional. O objetivo foi comparar o tempo de progressão da doença (sobrevida livre de progressão) e a sobrevida geral entre os dois grupos.
O que são inibidores de PD-1 e PD-L1?
Os inibidores de PD-1 e PD-L1 são tipos de imunoterapia que atuam bloqueando certas proteínas que impedem o sistema imunológico de atacar as células cancerosas. As células T do sistema imunológico carregam a proteína PD-1 (proteína da morte programada-1), enquanto algumas células cancerosas apresentam a proteína PD-L1 (ligante de morte programada-1). Quando essas duas proteínas se conectam, elas “desligam” o sistema imunológico, impedindo-o de atacar e destruir as células tumorais. Os inibidores de PD-1 e PD-L1 interrompem essa ligação, permitindo que o sistema imunológico reconheça e ataque as células cancerosas. Os médicos frequentemente usam esses inibidores para tratar vários tipos de câncer, incluindo o câncer de mama triplo-negativo. No entanto, alguns pacientes podem não responder de forma satisfatória a esses tratamentos, o que faz com que precisem de alternativas, como o sacituzumab govitecan, que oferece uma abordagem mais direcionada e eficaz em certos casos.
Eficácia do Sacituzumab Govitecan: Mudando o Cenário do Tratamento
Um estudo explorou a eficácia de sacituzumab govitecan no tratamento deste tipo de câncer. Para isso, os pesquisadores recrutaram 529 pacientes em sete países. Os pacientes foram randomizados para receber sacituzumab govitecan ou quimioterapia convencional (eribulina, vinorelbina, capecitabina ou gemcitabina). O estudo mostrou uma melhora significativa na sobrevida livre de progressão e na sobrevida global nos pacientes que receberam sacituzumab govitecan.
Para dar um exemplo concreto, no grupo tratado com sacituzumab govitecan, a mediana da sobrevida livre de progressão foi de 5,6 meses. Isso significa que os pacientes mantiveram a doença controlada por esse período. Em comparação, no grupo tratado com quimioterapia convencional, esse tempo foi de apenas 1,7 meses. Enquanto a sobrevida global, que representa o tempo total que os pacientes viveram após o início do tratamento, foi consideravelmente maior com o sacituzumab govitecan: 12,1 meses, comparado a 6,7 meses no grupo da quimioterapia. Esses números são especialmente importantes para pacientes que já haviam sido tratados com várias terapias anteriores, nas quais as expectativas de resposta costumam ser mais baixas.
Um dado interessante do estudo a se destacar é que aproximadamente 30% dos pacientes no estudo não apresentavam características de triplo-negativo no diagnóstico inicial. No entanto, com a evolução da doença, as células cancerosas passaram a exibir essa forma agressiva do tumor. Isso reforça a importância da realização de biópsias no momento da recidiva para garantir o tratamento adequado.
Efeitos Colaterais do Sacituzumab Govitecan: Gerenciamento e Segurança
Assim como qualquer tratamento oncológico, o sacituzumab govitecan não está isento de efeitos colaterais. Os mais comuns relatados no estudo incluem neutropenia (63%), diarreia (59%), fadiga (45%) e anemia (34%). A neutropenia, que é a queda dos níveis de neutrófilos no sangue, pode ser controlada com o uso de fatores de crescimento, enquanto a diarreia, um efeito comum ao SN-38, é manejada com antidiarreicos e hidratação.
Os Neutrófilos são um tipo de glóbulo branco (ou leucócito) que faz parte do sistema imunológico. Eles têm a função essencial de combater infecções, principalmente de origem bacteriana e fúngica. Quando há uma infecção, os neutrófilos são um dos primeiros tipos de células a chegar ao local da inflamação para destruir patógenos e iniciar o processo de cura. Eles agem “engolindo” (fagocitando) e destruindo microrganismos invasores.
É importante notar que, apesar desses efeitos, o estudo mostrou que apenas 5% dos pacientes precisaram interromper o tratamento devido a eventos adversos, uma taxa similar ao grupo da quimioterapia convencional. Além disso, os médicos administraram o sacituzumab govitecan por períodos prolongados, com alguns pacientes recebendo o medicamento por até 22,9 meses.
Essa longa duração de tratamento mostra que, apesar dos efeitos colaterais, como neutropenia e diarreia, os médicos podem continuar utilizando o medicamento de forma sustentada com o suporte clínico adequado. Isso permite que os pacientes recebam o tratamento por períodos mais longos, enquanto os efeitos adversos são gerenciados de maneira eficaz.
Inovação e o Futuro do Tratamento
O sacituzumab govitecan é um exemplo claro de como as terapias direcionadas estão mudando o panorama do tratamento de câncer. Sua aprovação acelerada pela FDA em 2020 marca um avanço significativo para pacientes com câncer de mama triplo-negativo metastático, uma forma da doença que, até então, dispunha de poucas opções eficazes. A combinação de um anticorpo que “caça” as células tumorais com um quimioterápico poderoso redefine a abordagem ao câncer, oferecendo uma terapia mais focada e menos invasiva.
O futuro para o sacituzumab govitecan é promissor. Estudos adicionais estão em andamento para avaliar seu uso em combinação com imunoterapias, inibidores de PARP e em estágios mais precoces do câncer de mama. Essa linha de pesquisa poderá ampliar ainda mais o alcance desse medicamento, tornando-o uma peça-chave no tratamento do câncer de mama triplo-negativo em diversas fases da doença.