Cannabis, uma das substâncias psicoativas mais utilizadas no mundo, é conhecida por seus efeitos diversos sobre o cérebro e o corpo. Substâncias psicoativas são compostos químicos que alteram a função cerebral, resultando em mudanças na percepção, humor, consciência, cognição e comportamento. Além da cannabis, exemplos comuns de substâncias psicoativas incluem álcool, nicotina, cafeína, e drogas ilícitas como cocaína e LSD.
Tradicionalmente, acredita-se que o uso de cannabis é relativamente seguro, especialmente em comparação com outras drogas psicoativas, com muitos defensores argumentando por seus benefícios terapêuticos e recreativos. No entanto, pesquisas anteriores sugeriram que genes associados à esquizofrenia poderiam explicar por que alguns usuários de cannabis desenvolvem psicose enquanto outros não. Além disso, a cannabis de alta potência (alta concentração de Δ-9-tetrahydrocannabinol ou THC), tornou-se mais comum e pode dobrar o risco de psicose em adultos jovens.
No entanto, um estudo abrangente publicado no periodico Nature Mental Health revela uma realidade mais complexa. Ele reúne evidências detalhadas sobre a taxa e os preditores de sintomas psicóticos agudos associados ao uso de cannabis conhecidos como CAPS (Cannabis-Associated Psychotic Symptoms). Dessa forma, este estudo desafia a noção comum de que a cannabis é uma substância inofensiva. A importância deste estudo reside na sua capacidade de fornecer uma visão mais clara sobre os riscos associados ao uso, especialmente à luz das crescentes taxas de legalização e uso medicinal e recreativo em todo o mundo. Esses achados são cruciais para informar políticas de saúde pública e práticas clínicas, promovendo estratégias de redução de danos para proteger populações vulneráveis.
Amostra e Taxas de Sintomas Psicóticos Associados à Cannabis
O estudo incluiu 162 pesquisas, totalizando 210.283 participantes expostos à cannabis. Os dados foram coletados de três tipos principais de estudos: pesquisas observacionais, com 174.300 participantes que relataram o uso recreativo de cannabis; estudos experimentais, com 2.009 participantes que receberam doses controladas de THC; e estudos medicinais, com 33.502 participantes que usaram cannabis para tratar condições médicas. Realizadas entre 1971 e 2023, essas pesquisas cobriram uma ampla distribuição espacial e temporal, abrangendo cinco continentes e refletindo uma variedade de contextos e populações.
As taxas de sintomas psicóticos associados ao uso de cannabis (CAPS) variaram significativamente entre os diferentes tipos de estudo. Nos estudos observacionais, 19% dos usuários recreativos relataram sintomas psicóticos. Nos estudos experimentais, 21% dos participantes experimentaram CAPS após a administração de THC. Em contraste, apenas 2% dos usuários de cannabis medicinal relataram CAPS.
A administração de doses de THC, ou seja, a aplicação de tetra-hidrocanabinol em quantidades controladas durante os estudos, foi um preditor significativo de CAPS. Problemas de saúde mental preexistentes, como transtornos bipolares e predisposição à psicose, também aumentaram o risco de desenvolvimento desses sintomas. Além disso, níveis elevados de dopamina no cérebro, conhecidos como aumento na atividade dopaminérgica, estão associados a maiores taxas de CAPS. Fatores demográficos como idade e sexo também mostraram influência, com indivíduos mais jovens e do sexo feminino relatando mais sintomas psicóticos.
Cannabis Pode Ter Efeitos Sobre a Saúde Mental
Os resultados deste estudo destacam a necessidade de um monitoramento rigoroso dos efeitos adversos da cannabis, especialmente para grupos de risco específicos. As altas taxas de sintomas psicóticos associados ao uso de cannabis (CAPS) em estudos observacionais e experimentais indicam que o uso recreativo de cannabis pode representar riscos significativos para a saúde mental de populações vulneráveis. O estudo sugere que a cannabis, especialmente em suas formas mais potentes, pode duplicar o risco de psicose em adultos jovens e indivíduos com predisposições genéticas. Dessa forma, isso implica que a percepção tradicional de que o uso de cannabis é relativamente seguro precisa ser reconsiderada para esses grupos específicos.
Potenciais Limitações do Estudo
Uma potencial limitação do estudo é a variabilidade nos métodos de coleta de dados e nas definições de CAPS entre os diferentes tipos de estudos (observacionais, experimentais e medicinais). CAPS, ou sintomas psicóticos associados ao uso de cannabis, podem incluir alucinações, delírios e paranoia. Diferentes estudos podem definir e medir esses sintomas de maneiras variadas, o que dificulta a comparação direta dos resultados.
Apesar dos dados do estudo cobrirem um amplo período de 1971 a 2023, faltam dados longitudinais específicos. Em outras palavras, dados coletados de forma contínua ao longo do tempo para os mesmos indivíduos. Dados longitudinais são importantes porque permitem acompanhar as mudanças e o desenvolvimento dos sintomas ao longo do tempo. Assim, oferecendo uma visão mais precisa dos impactos duradouros do uso de cannabis sobre a saúde mental.
A heterogeneidade das amostras, que se refere à diversidade nos grupos de participantes estudados, também pode ser problemática. Embora essa diversidade represente bem a sociedade como um todo, ela pode dificultar a identificação de padrões claros e específicos. A variabilidade em termos de idade, sexo, histórico de saúde mental e padrões de uso de cannabis pode significar que os resultados não sejam diretamente aplicáveis a subpopulações específicas de usuários de cannabis. Portanto, apesar de representar uma ampla gama de indivíduos, essa heterogeneidade pode complicar a interpretação dos resultados. Além disso, dificulta a identificação de riscos específicos para grupos distintos, o que é crucial para a formulação de políticas públicas eficazes e intervenções direcionadas.
Implicações Sociais e Políticas
Este estudo fornece uma análise abrangente dos riscos associados ao uso de cannabis. Ademais, o estudo enfatiza a importância de estratégias de redução de danos para proteger indivíduos vulneráveis. Com a crescente legalização e uso de cannabis, esses achados são cruciais para informar políticas públicas e práticas clínicas. Assim, promovendo uma abordagem mais consciente e informada sobre os potenciais efeitos dessa substância sobre a saúde mental. A educação contínua e o monitoramento rigoroso são essenciais para minimizar os riscos associados ao uso de cannabis, especialmente entre as populações mais suscetíveis acima mencionadas.
Políticas de legalização da cannabis devem ser acompanhadas por campanhas educativas e um sistema de monitoramento eficiente. A implementação de programas de conscientização que informem os usuários sobre os potenciais riscos e a promoção de práticas seguras de consumo podem ajudar a mitigar os efeitos adversos. Além disso, é fundamental que as políticas públicas considerem as evidências científicas mais recentes para equilibrar os benefícios terapêuticos da cannabis com a necessidade de proteger a saúde mental da população. A integração de estratégias de redução de danos e a adaptação das abordagens preventivas a diferentes subpopulações de usuários de cannabis são passos essenciais para uma política de saúde pública mais eficaz e inclusiva.