A doença de Alzheimer é notória pela perda de memória e dificuldades cognitivas, mas seus impactos vão muito além do esquecimento. Um novo estudo publicado no Journal of Neuropsychiatry and Clinical Neurosciences traz um alerta importante: a apatia — caracterizada por falta de motivação e engajamento emocional — é um dos sintomas mais fortes na previsão do declínio funcional. Ate mesmo superando sintomas mais dramáticos como agitação ou delírios.
Os pesquisadores analisaram dados de quase 9.800 pessoas com Alzheimer ou comprometimento cognitivo leve, acompanhadas por até cinco anos em centros de pesquisa dos Estados Unidos. Eles avaliaram como diferentes sintomas comportamentais, como depressão, apatia, alucinações e agitação, influenciavam a capacidade de realizar tarefas diárias ao longo do tempo. Embora mudanças de humor e comportamento sejam comuns no Alzheimer, a apatia foi o fator que mais consistentemente acelerou a perda de autonomia, mesmo quando comparada a outros sintomas.
Esse achado reforça o entendimento de que o Alzheimer deve ser visto não só como uma doença da memória, mas como uma condição que afeta profundamente a motivação, a iniciativa e a participação social. Ignorar a apatia pode atrasar intervenções e comprometer a qualidade de vida de pacientes e familiares.
Como Avaliar o Papel da Apatia
A equipe utilizou dados do National Alzheimer’s Coordinating Center, abrangendo pacientes acima de 50 anos, predominantemente brancos e altamente escolarizados. Além disso, todos com avaliações clínicas detalhadas ao longo de até cinco anos. Os pesquisadores aplicaram questionários funcionais para medir a autonomia dos participantes e analisaram sintomas comportamentais avaliados por profissionais treinados em cada visita.
Utilizando análise de classes latentes, o grupo identificou quatro perfis principais de sintomas: assintomáticos, apatia/depressão, múltiplos sintomas (como agitação), e um grupo “complexo” com psicose marcada. Embora o grupo assintomático tivesse melhor funcionamento inicial, a velocidade do declínio funcional não diferiu significativamente entre os perfis ao longo do tempo.
No entanto, quando examinaram sintomas individuais, a apatia destacou-se. Pessoas com apatia persistente perderam independência mais rapidamente do que aquelas que nunca apresentaram o sintoma. Mesmo quem apresentava apatia apenas de forma intermitente evoluiu pior que aqueles sem apatia. Outros sintomas, como depressão ou irritabilidade, não mostraram o mesmo impacto quando a apatia era considerada.
O estudo também confirmou que delírios e agitação estão associados a piora funcional, mas em grau menor do que a apatia. Alucinações afetaram a função apenas no início, sem acelerar o declínio ao longo do tempo.
Implicações Clínicas, Neurológicas e Próximos Passos
Do ponto de vista clínico, a apatia é um sintoma relativamente fácil de detectar, mas frequentemente subestimado, já que tende a ser menos disruptivo que agitação ou delírios. No entanto, sua presença sinaliza maior risco de perda de autonomia e necessidade precoce de apoio ou institucionalização. Detectar a apatia precocemente pode abrir uma janela de oportunidade para intervenções que visam preservar a independência.
Em termos neurológicos, estudos de neuroimagem mostram que a apatia está associada a alterações em regiões cerebrais ligadas à motivação e ao processamento de recompensas, como o córtex pré-frontal e os gânglios da base. Essas áreas podem ser afetadas independentemente dos circuitos ligados à memória, o que explica por que a apatia pode prever o declínio funcional mesmo sem agravamento paralelo da perda de memória.
O estudo tem limitações, como a amostra mais saudável e instruída do que a média da população e o uso de avaliações clínicas subjetivas. Ainda assim, a grande amostra, o longo acompanhamento e o controle rigoroso dos sintomas conferem robustez às conclusões.
Os resultados sugerem que profissionais de saúde devem monitorar atentamente a apatia em pacientes com Alzheimer. Dessa forma, valorizando esse sintoma tanto quanto os distúrbios de comportamento mais evidentes. Investir em educação médica, especialmente na atenção primária, pode melhorar o reconhecimento da apatia e permitir estratégias de cuidado mais centradas no paciente.