Prepare-se para uma revelação incômoda sobre a relação entre autoritarismo e neurociência: tanto a extrema direita quanto a extrema esquerda compartilham algo profundamente enraizado – e isso não está apenas nas ideias. Um estudo recém-publicado na prestigiada revista Neuroscience traz dados que desafiam a visão ingênua de que o autoritarismo seria exclusividade de um campo político. Pesquisadores da Universidade de Zaragoza, liderados por Jesús Adrián-Ventura, mapearam a anatomia cerebral de jovens adultos espanhóis e encontraram padrões neurais distintos, mas convergentes em um aspecto: a rigidez mental.
Com uma amostra de 100 universitários entre 18 e 30 anos, o estudo utilizou questionários atualizados sobre orientação política, impulsividade, ansiedade e crenças autoritárias. Em seguida, os participantes passaram por ressonância magnética de alta precisão (scanner 3T), permitindo aos cientistas identificar correlações entre estruturas cerebrais e traços autoritários. Não estamos falando de achismos ideológicos: são dados anatômicos, mensuráveis e replicáveis.
Esses resultados escancaram um dado crucial que o debate público frequentemente ignora: não é o espectro político que define o autoritário, mas sua arquitetura cognitiva. O autoritarismo, segundo esses achados, pode ser mais um reflexo de padrões emocionais e traços psicológicos do que de ideologia pura. E isso exige que a sociedade reavalie a forma como lida com a polarização política — que, no fundo, pode ter raízes muito mais profundas.
Autoritarismo e Neurociência: Entenda a Anatomia Da Intolerância
O achado mais impactante do estudo está na conexão entre o autoritarismo de direita e a redução do volume de massa cinzenta no córtex pré-frontal dorsomedial. Essa área cerebral é essencial para empatia, julgamento moral e interpretação de pensamentos alheios — justamente as habilidades mais exigidas em sociedades democráticas e plurais. Reduções nessa região foram associadas a comportamentos inflexíveis, julgamento moral simplista e reações rígidas diante da ambiguidade social.
Essa correlação ganha ainda mais força quando se observa que esse mesmo padrão anatômico também se associa a traços como impulsividade e adesão a ideias hierárquicas rígidas, como a ‘orientação para a dominância social‘. Ou seja, pessoas que veem o mundo em termos de dominância e submissão tendem a apresentar esse perfil neurológico.
É incômodo pensar que a forma como uma pessoa vota ou defende suas ideias pode ser, em parte, moldada por sua neuroanatomia. Mas os dados não mentem. Eles sugerem que o autoritarismo de direita não é apenas uma postura ideológica, mas uma manifestação de um cérebro com dificuldade em se colocar no lugar do outro, refletir com profundidade e aceitar a complexidade do mundo.
A Insula Da Revolta
Do outro lado do espectro, o estudo detectou algo igualmente perturbador. Pois indivíduos com fortes traços de autoritarismo de esquerda — especialmente aqueles que defendem ações agressivas contra estruturas de poder — apresentaram menor espessura cortical na ínsula anterior direita. Esta é uma região associada à empatia emocional e à inibição comportamental, ou seja, à capacidade de sentir a dor alheia e controlar impulsos destrutivos.
Esses achados mostram que o discurso de justiça social, quando carregado de fúria e desejo de punição, pode ser impulsionado por déficits na mesma capacidade empática que se exige do outro. A ironia é gritante: na ânsia de combater o autoritarismo, o indivíduo reproduz as mesmas estratégias mentais de dominação e supressão.
Além disso, esses sujeitos também exibiram níveis mais altos de ansiedade e impulsividade diante de situações emocionais negativas. Assim, podendo alimentar reações políticas extremadas como fuga, raiva e punição. Essa anatomia cerebral correlaciona-se com crenças como o feminismo radical punitivista e outras ideologias que, embora carregadas de intenções igualitárias, podem descambar para práticas autoritárias sob o pretexto de reparação histórica.
O Impulso Que Nos Radicaliza
Se há um traço comum entre autoritários de esquerda e de direita, ele é o comportamento impulsivo diante do desconforto emocional. O estudo identificou, em ambos os grupos, escores elevados no traço conhecido como urgência negativa — a tendência de agir sem pensar quando confrontado com situações emocionalmente desafiadoras. Em tempos de redes sociais e debates polarizados, isso se traduz em posts raivosos, cancelamentos, ameaças, censura e violência simbólica ou literal.
Mas o que diferencia esses grupos é a origem desse impulso: enquanto nos autoritários de direita ele parece derivar da rigidez cognitiva e da baixa empatia social, nos autoritários de esquerda há um componente emocional ansioso, que empurra o indivíduo à ação por necessidade de controle e segurança. Ambos reagem mal ao caos, mas o fazem por motivos distintos — e com estruturas cerebrais diferentes.
Isso nos obriga a repensar estratégias de comunicação política e intervenção social. Se parte da radicalização política nasce da forma como o cérebro lida com emoções negativas, não basta debater ideias — é preciso promover habilidades como regulação emocional, empatia e tolerância à ambiguidade. A ciência, aqui, se coloca como uma aliada poderosa da democracia.
O Que Está Em Jogo na Relação Entre Autoritarismo e Neurociência
Este estudo não apenas desafia certezas ideológicas, mas também lança um alerta urgente: autoritarismo não é um problema “do outro lado”. Ele pode emergir de qualquer ponto do espectro político e está profundamente enraizado em traços emocionais, padrões cognitivos e, sim, anatomia cerebral. Ignorar isso é tratar o sintoma e não a causa da crise democrática contemporânea.
Mesmo com limitações — como o recorte amostral restrito a jovens espanhóis universitários — os dados trazem efeitos robustos e inéditos. A própria admissão dos autores de que os resultados foram mais fortes do que o esperado reforça a relevância do achado. Estamos diante de um campo emergente da neurociência política que pode transformar nossa compreensão da radicalização.
Portanto, antes de apontar o dedo, a pergunta que este estudo nos convida a fazer é: como está a sua empatia? Sua flexibilidade cognitiva? Sua capacidade de escutar o outro sem querer silenciá-lo? O autoritário, talvez, esteja mais próximo do que imaginamos — e não apenas nos discursos alheios, mas dentro de nós mesmos.