Um estudo recente, publicado na Autism Research, revelou três subtipos de autismo (Transtorno do Espectro Autista – TEA) em homens, cada um associado a padrões distintos de estrutura cerebral e traços comportamentais. Utilizando algoritmos de machine learning, os pesquisadores demonstraram que o autismo em homens apresenta uma diversidade cerebral considerável. Assim, podendo influenciar diretamente as necessidades individuais e respostas ao tratamento. Esses achados representam um avanço significativo, pois propõe uma abordagem mais personalizada para o diagnóstico e as intervenções no TEA.
Compreendendo o Transtorno do Espectro Autista (TEA)
O TEA é uma condição neurodesenvolvimental complexa, caracterizada por desafios na interação social, na comunicação e pela presença de comportamentos repetitivos. Chamado de “espectro” por sua variabilidade, o autismo pode envolver sensibilidades sensoriais e, além disso, apresentar diferenças nas habilidades cognitivas, motoras e características únicas em cada indivíduo. Essa amplitude de manifestações do TEA torna seu estudo desafiador. Assim, exigindo abordagens que levem em conta a individualidade de cada caso para um diagnóstico e tratamento mais eficazes.
Mesmo com o aumento de pesquisas e conscientização, o autismo continua a ser uma área em que há muito por explorar. Os métodos diagnósticos tradicionais, que classificam o TEA pela gravidade dos sintomas, podem não refletir plenamente as diferenças biológicas subjacentes. Assim, entender o TEA de maneira mais personalizada tem sido uma necessidade crescente na pesquisa e nas práticas clínicas.
A Necessidade de uma Nova Abordagem no Diagnóstico
O estudo considera que métodos convencionais de diagnóstico, focados apenas na intensidade dos sintomas, são insuficientes para capturar a diversidade biológica do TEA. Pois sintomas como dificuldades de comunicação ou interação social podem surgir por diferentes causas neurológicas. Assim, duas pessoas podem exibir o mesmo nível de dificuldade social, mas por razões cerebrais distintas.
Para lidar com essa limitação, a equipe de pesquisadores, liderada pelo professor Xinwei Li, da Universidade de Chongqing, explorou novas maneiras de categorizar o TEA. Eles buscaram entender como as variações estruturais do cérebro podem explicar os diferentes perfis de autismo. Pois segundo Li, o crescimento nos diagnósticos de TEA traz um impacto significativo para famílias e para a sociedade, aumentando a necessidade de métodos que identifiquem as particularidades cerebrais de cada pessoa com autismo. Essa abordagem, que vai além dos sintomas visíveis, ajuda a compreender melhor os mecanismos do transtorno, assim oferecendo uma base mais sólida para tratamentos personalizados.
O Processo e os Dados Utilizados na Descoberta Sobre Subtipos de Autismo
Os pesquisadores utilizaram dados do Autism Brain Imaging Data Exchange. Este banco de dados oferece imagens de ressonância magnética de pessoas com e sem TEA. Então, os pesquisadores focaram em 225 homens com TEA e 255 homens sem a condição. com idades variando entre 10 e 20 anos. Os pesquisadores optaram por excluir mulheres devido às diferenças estruturais significativas entre os cérebros de homens e mulheres com TEA.
As análises foram realizadas com imagens ponderadas em T1 (veja abaixo), focando na estrutura de matéria cinzenta – uma parte essencial do processamento de informações no cérebro. Além disso, os pesquisadores construíram redes de conectividade cerebral com base nas similaridades estruturais entre as diferentes regiões cerebrais. Com o uso de um algoritmo de machine learning, chamado Heterogeneity through Discriminative Analysis, foi possível identificar três subtipos distintos de TEA.
Imagem Ponderada em T1
A imagem ponderada em T1 é um tipo específico de imagem de ressonância magnética (MRI) que destaca diferentes tecidos no cérebro, facilitando a análise de sua estrutura. Nesse tipo de imagem, as áreas de matéria cinzenta (regiões que processam informações) aparecem com um contraste distinto, permitindo aos cientistas observar detalhadamente a organização e densidade dos tecidos cerebrais. A imagem T1 é usada principalmente para investigar a anatomia do cérebro, auxiliando a identificar mudanças estruturais que podem estar associadas a condições como o autismo.
Redes de Conectividade Cerebral
As redes de conectividade cerebral representam como diferentes regiões do cérebro estão interligadas e funcionam em conjunto. Elas são criadas ao observar as semelhanças na estrutura de áreas específicas, mapeando como essas regiões se comunicam e colaboram no processamento de informações. No contexto deste estudo, os pesquisadores construíram essas redes com base nas similaridades na matéria cinzenta entre diversas regiões. Dessa forma, foi possível identificar padrões de conexão que diferenciam os subtipos de autismo.
Características dos Três Subtipos de Autismo Identificados
Cada subtipo de autismo identificado demonstrou padrões únicos de conectividade cerebral, implicando diferenças nas áreas de processamento sensorial, motor, visual e cognitivo:
- Primeiro Subtipo: Esse grupo mostrou alta conectividade entre o giro central anterior esquerdo e o giro central posterior direito, áreas ligadas às funções sensório-motoras. Esse padrão sugere que os indivíduos deste subtipo podem ter uma sensibilidade sensório-motora aumentada ou um processamento sensorial diferente. Na prática, isso pode se manifestar, por exemplo, como uma resposta mais intensa ao toque ou a certos sons. Assim, fazendo com que um simples toque no ombro ou um ruído de fundo sejam percebidos de forma desconfortável ou perturbadora.
- Segundo Subtipo: Indivíduos desse grupo exibiram menor conectividade no giro central anterior esquerdo, relacionado ao controle motor, e maior conectividade no giro fusiforme e no giro lingual esquerdo, ligados ao processamento visual e de linguagem. Esses achados indicam que esses indivíduos podem enfrentar dificuldades nas funções motoras e na interpretação de sinais sociais visuais. Na prática, eles podem ter dificuldade em realizar tarefas motoras finas, como escrever, ou em interpretar expressões faciais e gestos, dificultando a compreensão de emoções nas interações sociais.
- Terceiro Subtipo: O terceiro grupo apresentou alterações nos giros frontal superior medial e médio esquerdo, regiões associadas a processos cognitivos avançados, como planejamento, tomada de decisão e cognição social. Esse padrão sugere que esses indivíduos podem ter dificuldades em habilidades cognitivas mais complexas. Na prática, eles podem enfrentar dificuldades ao organizar tarefas diárias, tomar decisões rápidas ou compreender situações sociais complexas, como interpretar intenções em conversas ou adaptar-se a ambientes sociais dinâmicos.
Diferenças Clínicas Entre Subtipos de Autismo
Além das variações estruturais, os subtipos apresentaram diferenças clínicas significativas. Por exemplo, participantes do terceiro subtipo obtiveram escores mais altos em testes de inteligência verbal e de desempenho, enquanto os do primeiro subtipo enfrentaram maiores desafios em comunicação e interação social. Essas correlações entre estrutura cerebral e comportamento evidenciam a diversidade nas manifestações do TEA.
Limitações e Perspectivas para Pesquisas Futuras Sobre Subtipos de Autismo
O estudo apresenta algumas limitações. A exclusão de mulheres restringe a aplicabilidade dos resultados, já que o TEA apresenta características estruturais diferentes em mulheres. Além disso, a natureza transversal da pesquisa impede a observação de mudanças ao longo do tempo, algo crucial para compreender a trajetória do desenvolvimento do TEA em cada subtipo.
Com esses achados iniciais, os pesquisadores pretendem expandir as análises, incluindo dados multimodais que permitam estudar os mecanismos do TEA com mais profundidade. Dessa forma, o acompanhamento de longo prazo pode trazer insights sobre como as estruturas cerebrais se modificam ao longo do tempo, viabilizando diagnósticos mais rápidos e intervenções mais precisas.