Os psicodélicos, substâncias que alteram profundamente a percepção, a consciência e a experiência sensorial , têm sido utilizados por milênios em contextos recreativos e medicinais. Existem diversos tipos de psicodélicos, incluindo a psilocibina (encontrada em cogumelos mágicos), o LSD (ácido lisérgico), a mescalina (encontrada no peiote e no cacto San Pedro), a ibogaína (encontrada na planta iboga), e a DMT (dimetiltriptamina, encontrada na Ayahuasca e em algumas plantas).
Tribo indígenas nas Américas, como os Mazatecas no México, usavam cogumelos contendo psilocibina em rituais espirituais, buscando conexões místicas e curas espirituais. No entanto, o uso de cogumelos não é exclusivo das Américas. Culturas na África, como os Bwiti do Gabão, usam a ibogaína em suas práticas espirituais. Além disso, na Sibéria, o cogumelo Amanita muscaria tem uma longa história de uso em rituais xamânicos.
Potencial Terapêutico dos Psicodélicos
Por volta da década de 1950, os psicodélicos começaram a atrair atenção científica, sendo estudados por seus potenciais terapêuticos. Essa hipótese surgiu de observações de que essas substâncias poderiam induzir estados mentais semelhantes aos experimentados por pessoas em meditação profunda ou em êxtase espiritual, sugerindo uma capacidade de “resetar” o cérebro e tratar condições como depressão, ansiedade e dependência química (vícios).
Durante os anos 60 e 70, o movimento hippie adotou os psicodélicos como parte de seu movimento de contracultura. Assim, os adeptos do movimento usavam substâncias como LSD e psilocibina de forma recreativa para expandir a mente e desafiar normas sociais. No entanto, esse uso massivo e indiscriminado, aliado a uma série de eventos negativos e a propaganda governamental, levou a uma proibição generalizada dos psicodélicos. Dessa forma, interrompendo a pesquisa científica por décadas e gerando muito preconceito sobre o tema. As autoridades temiam os efeitos imprevisíveis dessas substâncias e sua associação com a rebeldia social e política da época.
Hoje, a ciência ressurge com estudos rigorosos que demonstram os benefícios terapêuticos da psilocibina, especialmente no tratamento de transtornos mentais.
A Ciência por Trás dos Efeitos da Psilocibina
Psilocibina, o composto ativo encontrado em certos cogumelos, atua agonizando os receptores de serotonina 2A (5-HT2A) no cérebro. Isso significa que a psilocibina se liga a esses receptores e os ativa, similar a como uma chave se encaixa em uma fechadura. Por exemplo, imagine que os receptores 5-HT2A são botões específicos em um painel de controle do cérebro, e a psilocibina é como um dedo que aperta esses botões, desencadeando uma série de eventos internos.
Esta interação desencadeia mudanças neurobiológicas rápidas e persistentes, afetando a comunicação neuronal e promovendo a plasticidade cerebral. Além disso, a psilocibina pode promover a formação de novas conexões neurais, um processo conhecido como sinaptogênese, que é o processo de formação de novas sinapses. Em termos simples, a sinaptogênese é como construir novas estradas em uma cidade, permitindo um tráfego mais eficiente e acessos a novas áreas. Esse processo é crucial para a capacidade do cérebro de se reorganizar e formar novas conexões.
Esse processo chama-se neuroplasticidade, e refere-se à capacidade do cérebro de mudar e adaptar-se ao longo da vida. É a habilidade do cérebro de reorganizar suas conexões, especialmente em resposta a novas experiências, aprendizagem, ou após danos. Por exemplo, quando alguém aprende uma nova habilidade, como tocar um instrumento musical, o cérebro cria e fortalece novas conexões neurais. Da mesma forma, se uma parte do cérebro é danificada, outras áreas podem reorganizar-se para assumir suas funções. A neuroplasticidade é essencial para o desenvolvimento, aprendizagem, memória e recuperação de lesões cerebrais, sendo um dos principais mecanismos pelos quais a psilocibina exerce seus efeitos terapêuticos.
Como a Psilocibina Age no Cérebro
As hipóteses sobre os mecanismos de atuação da psilocibina incluem a ideia de que a substância facilita a neuroplasticidade. Assim, permitindo que o cérebro forme novas conexões e reorganize as existentes. Isso pode ajudar a “resetar” redes neurais disfuncionais, como aquelas observadas na depressão e em outros transtornos mentais, levando a melhorias duradouras nos sintomas. Além disso, a psilocibina pode diminuir a atividade das áreas do cérebro associadas ao ego e ao senso de self.
O senso de self refere-se à nossa percepção de identidade pessoal, a consciência de quem somos como indivíduos. O ego, por outro lado, é frequentemente entendido como a parte da nossa mente que nos dá um senso de identidade e autoimportância. Ele está envolvido na autopercepção e no controle das nossas ações e pensamentos. Quando a psilocibina diminui a atividade das áreas do cérebro relacionadas ao ego e ao senso de self, pode reduzir o foco na autocrítica e nas preocupações pessoais. Dessa forma, acaba promovendo um estado de maior conexão com o mundo e pessoas ao redor. Isso contribui para a diminuição da rigidez mental, além de promover um aumento na capacidade de experimentar novos pensamentos e emoções de forma mais aberta e receptiva.
Em animais, a psilocibina aumenta a sinaptogênese no lobo frontal medial e no hipocampo anterior, regiões críticas para a neuroplasticidade e efeitos antidepressivos, por exemplo. No entanto, as limitações dos modelos animais e as diferenças com o receptor humano limitam a generalização desses resultados. Essas diferenças estruturais e funcionais podem influenciar como os resultados dos estudos em animais se traduzem para os humanos, exigindo cautela redobrada ao aplicar essas descobertas diretamente às pessoas.
Experimentos e Descobertas Inovadoras
Apesar das restrições e preconceito, nos últimos anos a ciência por trás do uso de psilocibina para o tratamento de transtornos mentais está avançando a passos largos. Em um estudo recente publicado na Nature liderado por Joshua Siegel da Universidade de Washington, conseguiram quantificar a ação da psilocibina no cérebro. Para isso, adultos jovens saudáveis receberam doses de 25 mg de psilocibina e 40 mg de metilfenidato (Ritalina) em sessões separadas. A Ritalina foi utilizada como controle ativo para simular os efeitos de excitação cardiovascular e fisiológica associados à psilocibina, assim, permitindo que os pesquisadores isolassem os efeitos específicos da psilocibina.
Os participantes foram submetidos a extensas sessões de ressonância magnética funcional (fMRI) para mapear precisamente as mudanças na conectividade cerebral antes, durante e após a administração das substâncias. Essa abordagem permitiu a observação detalhada das alterações na atividade e na conectividade neuronal, crucial para entender os mecanismos de ação da psilocibina.
Psilocibina Aumenta Conectividade Cerebral
Os pesquisadores observaram que a psilocibina causou uma profunda alteração na conectividade funcional (FC) do cérebro. Em particular, houve mudanças significativas na rede do modo padrão (DMN), uma rede cerebral associada ao pensamento introspectivo e à ruminação. Esta região do cérebro é rica em receptores 5-HT2A e está frequentemente ligada a sintomas de depressão quando sua conectividade está aumentada. A psilocibina alterou a FC dentro da DMN e entre a DMN e outras redes cerebrais cerca de três vezes mais que metilfenidato (Ritalina).
A psilocibina aumentou a sinalização de glutamato, um neurotransmissor excitador crucial para a plasticidade sináptica, e o metabolismo da glicose, indicando maior atividade neuronal. Simultaneamente, reduziu a segregação entre as redes funcionais, o que significa que diferentes áreas do cérebro começaram a trabalhar de maneira mais integrada e menos isolada. Esta maior integração global é considerada um mecanismo potencial para os efeitos terapêuticos da psilocibina, pois acaba promovendo a flexibilidade cognitiva e a interrupção de padrões de pensamento negativo.
Em estados depressivos, a conectividade entre o hipocampo e a DMN está aumentada, perpetuando pensamentos negativos. A psilocibina reduz essa conectividade, permitindo uma “reconfiguração” do cérebro. Imagine um computador travado por um loop de processos; a psilocibina funciona como um “reset”, permitindo que o sistema funcione novamente de forma mais eficiente.
De forma ainda mais surpreender, os efeitos da psilocibina na conectividade funcional (FC) do cérebro entre as partes associadas com depressão durou várias semanas. Evidenciando o potencial terapêutico deste psicodélico no tratamento de transtornos traumáticos.
A Psilocibina Pode Ser O Futuro da Terapia Psiquiátrica
Os resultados deste importante estudo indicam que a psilocibina pode oferecer alívio rápido e duradouro para depressão, ansiedade e dependência, destacando-se como uma alternativa promissora aos fármacos psiquiátricos tradicionais. Enquanto antidepressivos e ansiolíticos convencionais muitas vezes demoram semanas para fazer efeito e requerem uso contínuo, uma única dose de psilocibina pode proporcionar benefícios terapêuticos que duram semanas ou até meses.
Além disso, a psilocibina apresenta custos relativamente baixos em comparação com os tratamentos farmacológicos convencionais. Com a redução da necessidade de uso diário e o potencial para sessões terapêuticas menos frequentes, o custo-benefício para pacientes e sistemas de saúde é significativamente melhorado. No entanto, como qualquer tratamento, a psilocibina não está isenta de efeitos colaterais. Os efeitos negativos incluem a possibilidade de desencadear experiências psicológicas intensas. No entanto, em alguns casos estes eventos podem ser extremamente desagradáveis. Assim, sendo difíceis de gerenciar sem a supervisão de um profissional capacitado.
Apesar dos benefícios evidentes, vários fatores impedem a adoção em larga escala da psilocibina como tratamento psiquiátrico. A principal barreira é o preconceito histórico e cultural associado aos psicodélicos. Durante décadas, esses compostos foram demonizados e associados a movimentos contraculturais, levando a uma proibição generalizada que ainda perdura. Além disso, a regulamentação rigorosa e a necessidade de mais pesquisas clínicas para confirmar sua segurança e eficácia atrasam sua aprovação e aceitação no campo médico.
O renascimento da pesquisa psicodélica promete transformar o tratamento de transtornos mentais, oferecendo novas esperanças para aqueles que não encontram alívio nos tratamentos convencionais. No entanto, para que essa revolução terapêutica se concretize, é necessário superar o estigma associado aos psicodélicos e adotar uma abordagem científica e aberta às suas possibilidades. A psilocibina pode ser a chave para um futuro onde tratamentos mais eficazes e acessíveis estão disponíveis para todos que sofrem de transtornos mentais.