Um novo estudo publicado no Journal of Cross-Cultural Psychology revela uma conexão preocupante: viver em estados dos EUA com forte cultura de honra está associado a taxas mais altas de depressão e pensamentos suicidas, especialmente entre adultos brancos não hispânicos. Essas descobertas aprofundam o debate sobre como valores culturais relacionados à reputação, força e autossuficiência podem impactar negativamente a saúde mental.
Culturas de honra enfatizam a defesa do nome pessoal e familiar. Assim, muitas vezes recorrendo à autossuficiência, repressão emocional e, não raramente, respostas retaliatórias a ofensas ou ameaças. Esse modelo cultural é historicamente dominante no sul e oeste dos Estados Unidos, os chamados “estados de honra”, em contraste com “estados de dignidade”, mais comuns no norte e meio-oeste. Nestes últimos, prevalecem valores de autonomia e autovalorização interna, sem dependência do julgamento social.
Pesquisas anteriores já mostravam que taxas de suicídio são mais altas nos estados de honra, principalmente entre homens brancos. No entanto, os vínculos entre depressão, pensamento suicida e cultura de honra ainda geravam controvérsias. O novo estudo liderado por Jesse Bock, da University of Wyoming, usou métodos mais robustos e amostras amplas para desvendar essa associação.
O Estudo: Dois Níveis de Análise da Cultura de Honra, Novos Insights
A equipe conduziu duas pesquisas complementares. Na primeira, analisaram dados públicos dos 50 estados americanos, utilizando classificações tradicionais e um índice contínuo de “honra” baseado em fatores como leis sobre armas e atitudes patriarcais. Cruzaram essas medidas com estatísticas de depressão e ideação suicida, ajustando para variáveis como pobreza, educação e acesso à saúde.
Os resultados foram claros: estados com maior índice de honra apresentaram mais casos de depressão, com efeito mais forte entre brancos não hispânicos. O dado mais alarmante foi que essa relação não apareceu com a mesma força entre adultos hispânicos. Assim, sugerindo que o peso da honra pode variar entre diferentes grupos culturais.
Na segunda parte, os pesquisadores recrutaram mais de 4.200 adultos da Califórnia (baixo índice de honra) e Louisiana (alto índice de honra). Os participantes avaliaram sua adesão a valores tradicionais de honra e relataram sintomas recentes de depressão, ansiedade e pensamentos suicidas. Mesmo controlando por fatores como renda, educação e política, as pessoas que mais endossavam normas de honra tinham maior probabilidade de depressão e ideação suicida — mas não de ansiedade. Isso indica que o sofrimento ligado à honra está mais conectado ao sentimento de inadequação ou fracasso pessoal do que à inquietação ou medo.
Curiosamente, em ambos os estudos, a depressão explicou o elo entre cultura de honra e ideação suicida. Ou seja, viver sob pressão para manter reputação, força e autossuficiência parece aumentar o risco de depressão. Então, podendo aumentar o risco de pensamentos suicidas.
Por Que a Cultura de Honra Pode Elevar o Sofrimento Psicológico
As normas de honra impõem padrões sociais rígidos: não basta ser forte, leal e autossuficiente, é preciso demonstrar isso publicamente. O fracasso ou a percepção de falha — real ou imaginada — pode gerar vergonha, isolamento e sofrimento psicológico profundo. Nessas culturas, buscar ajuda emocional pode ser visto como fraqueza, o que dificulta o acesso ao suporte necessário em momentos críticos.
O estudo também ressalta que, em estados de honra, as pessoas são menos propensas a procurar tratamento de saúde mental, e frequentemente enfrentam menos recursos disponíveis. Essa combinação de pressão cultural, estigma e barreiras práticas cria um cenário de alto risco, principalmente para quem não consegue cumprir as expectativas sociais impostas.
É importante notar que o trabalho não sugere que toda pessoa em cultura de honra estará deprimida, mas aponta para um mecanismo plausível que eleva o risco coletivo: quanto mais forte o valor da honra, maior a exigência de adequação e menor o espaço para vulnerabilidade e ajuda.
Implicações, Limitações e Caminhos Futuros
Embora os achados sejam sólidos, o estudo é correlacional, ou seja, não permite afirmar que a cultura de honra “causa” depressão ou pensamentos suicidas, apenas que existe uma ligação consistente. Os efeitos encontrados, embora estatisticamente relevantes, foram modestos em tamanho, e mais estudos longitudinais serão necessários para mapear as trajetórias de risco ao longo do tempo.
Os pesquisadores propõem investigar como cumprir ou falhar os mandatos de honra afeta diferentes grupos, especialmente homens, historicamente mais cobrados por esses valores. Eles buscam construir um entendimento mais refinado para, no futuro, criar intervenções culturais e políticas de saúde pública adequadas à realidade de estados e comunidades marcadas por normas de honra.
O estudo reforça que fatores culturais não podem ser ignorados quando se fala em saúde mental e prevenção ao suicídio. Ao iluminar a relação entre normas de honra, depressão e sofrimento psíquico, ele contribui para o desenvolvimento de estratégias mais sensíveis e eficazes de prevenção, cuidado e diálogo social.