A relação entre aparência física e avaliações profissionais sempre intrigou a ciência, mas um novo estudo publicado na Economics & Human Biology vai além dos clichês sobre beleza. O foco recai sobre o facial width-to-height ratio (fWHR), ou razão largura-altura facial, uma métrica calculada dividindo-se a largura do rosto pela altura. Estudos prévios associam fWHR a traços percebidos de dominância, influência e liderança – características frequentemente valorizadas no universo corporativo, esportivo e até político.
No contexto acadêmico, surge a pergunta: será que a estrutura facial pode afetar, de modo sistemático, a avaliação que alunos fazem de seus professores? E mais: haveria uma diferença entre homens e mulheres diante dessa percepção de dominância? Motivados por essas questões, Valentina Paredes e colegas da Universidad de Chile analisaram mais de 5 mil cursos e quase 700 professores em um grande estudo longitudinal, considerando dados de 2012 a 2019. O resultado: fWHR alto favorece avaliações de professores homens, mas penaliza duramente professoras.
A escolha da métrica não é trivial. Anteriormente, pesquisadores já vincularam o fWHR à eficácia de CEOs, desempenho esportivo e julgamentos de força em candidatos políticos. A ciência busca, assim, compreender como esses sinais visuais – muitas vezes inconscientes – moldam relações de poder e credibilidade em diferentes esferas sociais, inclusive nas salas de aula universitárias.
Metodologia Rigorosa: Como Conduziram o Estudo Sobre fWHR
Para desvendar o impacto do fWHR, os pesquisadores se apoiaram em um amplo banco de dados da Escola de Negócios e Economia da Universidad de Chile. Os pesquisadores analisaram as fotos oficiais dos docentes para calcular o fWHR de cada professor. Então, os resultados foram cruzados com mais de 5.000 avaliações de cursos, baseadas em 12 questões de uma pesquisa eletrônica. Além disso, incluiram notas globais e perguntas-chave sobre qualidade de ensino.
A análise estatística controlou variáveis como beleza (avaliada por algoritmos e por pessoas) e um índice objetivo de qualidade do professor, obtido por meio do desempenho dos alunos em cada disciplina. Assim, foi possível isolar o efeito do fWHR e verificar se a percepção de dominância facial realmente influenciava as avaliações, independentemente da competência real ou da atratividade do docente.
Os resultados foram contundentes. Para homens, um desvio padrão a mais no fWHR resultou em um aumento de 0,07 a 0,13 desvio padrão nas avaliações de ensino, dependendo da métrica considerada. Entre as mulheres, o impacto foi o oposto e muito mais acentuado. Pois elevações no fWHR levaram a reduções de 0,27 a 0,87 desvio padrão nas notas, evidenciando uma penalização sistemática por traços associados à dominância.
O Duplo Padrão de Gênero: Dominância Como Virtude ou Defeito?
O estudo revela um duplo padrão de gênero marcante: traços de dominância facial, valorizados em professores homens, são considerados negativos em professoras. Isso aponta para a manutenção de normas tradicionais que celebram assertividade masculina, mas punem mulheres por demonstrarem as mesmas características.
Valentina Paredes destaca que, se a dominância percebida não interferisse nas avaliações, a probabilidade de uma professora alcançar a nota máxima em seu departamento aumentaria em 13 pontos percentuais. O dado ilustra o impacto real dessas avaliações, que vão além da sala de aula. Pois acaba influenciando promoções, contratações e a presença feminina em espaços historicamente dominados por homens.
A pesquisa sugere que o viés não se restringe ao ambiente educacional. Sempre que avaliações profissionais envolvem julgamento interpessoal – seja por gestores, colegas ou clientes – características como fWHR podem gerar distorções sutis, mas persistentes, nos resultados. Isso reforça a importância de revisitar práticas avaliativas e repensar mecanismos institucionais para mitigar desigualdades.
Limitações, Implicações e Caminhos para o Futuro
Como todo estudo científico, há limitações a serem consideradas. Os pesquisadores realizaram o trabalho em uma única instituição e com desequilíbrio na representação de mulheres entre os docentes. Sendo estes, fatores que podem limitar a generalização para outras regiões e contextos acadêmicos. Os próprios autores reconhecem que o fWHR pode estar correlacionado a outras características não avaliadas e que, em sala de aula, os alunos têm acesso a múltiplos sinais de dominância, como postura e voz.
Ainda assim, os achados abrem portas para investigações futuras. Pesquisadores sugerem explorar medidas mais diretas de dominância, analisar outros traços físicos e comportamentais, e testar intervenções que possam neutralizar o viés em avaliações de ensino. Há também um chamado para compreender como políticas institucionais podem promover ambientes mais equitativos, reduzindo a influência de julgamentos subjetivos baseados em aparência.
A equipe ressalta que a discriminação de gênero nas avaliações é apenas um dos muitos desafios enfrentados por mulheres na academia. Estudar essas dinâmicas é fundamental para avançar em direção a práticas mais justas e inclusivas, tanto no ensino superior quanto em outros setores.