O apego evitante pode influenciar a relação entre estresse parental e satisfação sexual em casais com filhos. Um estudo publicado no The Canadian Journal of Human Sexuality revelou que níveis mais altos de evitação no apego, tanto em mães quanto em pais, estão associados a uma menor satisfação sexual. No entanto, um fator curioso surgiu: o estresse parental nos pais pode suavizar essa relação. Mas como isso acontece? E o que isso nos revela sobre a complexidade das relações amorosas e parentais?
Apego evitante é um padrão de comportamento em que a pessoa evita proximidade emocional e prefere não depender dos outros em relacionamentos íntimos. Indivíduos com esse estilo tendem a ser reservados, relutantes em expressar emoções e desconfortáveis com demonstrações de afeto. Assim, eles valorizam a independência e podem se afastar quando percebem que o parceiro deseja mais intimidade.
Esse distanciamento emocional pode impactar negativamente os relacionamentos, então reduzindo a conexão e a satisfação, inclusive no âmbito sexual. Pessoas com alto nível de evitação no apego costumam evitar conversas sobre sentimentos e demonstrar frieza afetiva, o que pode gerar frustrações nos parceiros e dificultar a construção de uma relação profunda e satisfatória.
A Relação Entre Apego Evitante e Satisfação Sexual
Apego e satisfação sexual estão intimamente conectados. Um apego seguro favorece a intimidade e o prazer, enquanto a insegurança no apego – seja por ansiedade ou evitação – pode minar essas experiências. Pessoas com apego ansioso buscam constantemente validação e temem o abandono, enquanto aquelas com apego evitante tendem a se afastar emocionalmente e evitar a dependência do parceiro.
O estudo conduzido por Mariève Vandervoort e seus colegas focou em como o estresse parental pode alterar essa relação. O que já se sabe é que criar filhos adiciona um peso significativo à rotina dos casais, diminuindo o tempo e a energia disponíveis para a conexão romântica. A pergunta central da pesquisa foi: o estresse parental amplifica ou suaviza os efeitos negativos do apego evitante na satisfação sexual?
Métodos e Participantes do Estudo Sobre Apego Evitante
Para responder a essa questão, os pesquisadores recrutaram 103 casais heterossexuais de duas províncias canadenses, todos com pelo menos um filho entre 6 e 11 anos. Os participantes foram selecionados por meio de anúncios comunitários e preencheram questionários individualmente em visitas domiciliares. Além disso, o estudo utilizou dados da segunda fase de um projeto longitudinal, ocorrida 4,5 anos após a primeira coleta de informações.
Os pesquisadores utilizaram três instrumentos principais:
- Escala de Experiências em Relacionamentos Próximos (ECR-12): Avaliou o estilo de apego de cada parceiro, medindo ansiedade e evitação no apego.
- Medida Global de Satisfação Sexual (GMSEX): Analisou a qualidade global das experiências sexuais, considerando prazer, realização e positividade.
- Índice de Estresse Parental (PSI): Mediu o nível de estresse relacionado às responsabilidades parentais e dificuldades percebidas na criação dos filhos.
Com esses dados, os pesquisadores puderam investigar como os estilos de apego e os níveis de estresse parental de cada parceiro influenciavam sua própria satisfação sexual e a de seus cônjuges.
O Impacto do Apego Evitante na Satisfação Sexual
Os resultados confirmaram o esperado: quanto maior o nível de apego evitante dos participantes, menor sua satisfação sexual. Esse efeito foi observado tanto em homens quanto em mulheres. No entanto, o impacto do apego evitante dos pais ia além de suas próprias experiências sexuais. Pois a evitação no apego dos pais também reduzia a satisfação sexual das mães, sugerindo que o distanciamento emocional dos homens tem consequências diretas na intimidade do casal.
Curiosamente, o apego ansioso não apresentou uma associação significativa com a satisfação sexual. Isso contrasta com algumas pesquisas anteriores que sugerem que a ansiedade no apego pode gerar inseguranças e reduzir a qualidade da vida sexual. Essa ausência de efeito pode estar relacionada às características da amostra, composta majoritariamente por casais de alta renda e bem ajustados.
Ansiedade no apego é um padrão de comportamento caracterizado por uma necessidade intensa de proximidade e validação nos relacionamentos. Indivíduos com esse estilo de apego tendem a ter medo do abandono. Assim, buscam constantemente sinais de afeto e sentir-se inseguros sobre o amor do parceiro. Além disso, eles frequentemente interpretam pequenos distanciamentos como ameaças ao relacionamento e podem demonstrar comportamentos de busca excessiva por reafirmação, como ciúmes, dependência emocional e preocupação constante com a reciprocidade do afeto. Essa hipersensibilidade à rejeição pode gerar instabilidade emocional e dificultar a construção de relacionamentos saudáveis. Pois a necessidade excessiva de segurança pode sobrecarregar o parceiro e comprometer a intimidade de forma negativa.
O Papel Surpreendente do Estresse Parental
Um dos achados mais intrigantes do estudo foi que o estresse parental dos pais teve um efeito moderador na relação entre apego evitante e satisfação sexual. Quando os níveis de estresse dos pais aumentavam, o impacto negativo de sua evitação no apego sobre a satisfação sexual das mães diminuía. Esse resultado pode parecer contraintuitivo à primeira vista, mas há algumas explicações possíveis.
Primeiramente, em situações de alto estresse, a evitação no apego pode se tornar menos relevante. Quando a carga emocional e física da parentalidade se intensifica, os parceiros podem desenvolver maior empatia e compreensão mútua. Além disso, o próprio peso das responsabilidades parentais pode obscurecer as dinâmicas românticas, tornando menos perceptíveis os efeitos do distanciamento emocional.
Outra possibilidade é que, em momentos de maior estresse, as mães passem a priorizar outras demandas e reduzam suas expectativas em relação à conexão emocional e sexual com seus parceiros. Isso poderia levar a uma percepção menor do impacto negativo do apego evitante.
Implicações e Limitações do Estudo
Os achados do estudo trazem implicações importantes para a compreensão das relações conjugais na parentalidade. A pesquisa sugere que a forma como os parceiros lidam com o estresse pode influenciar diretamente a qualidade da vida sexual. Em particular, pais com apego evitante podem prejudicar a intimidade do casal, mas, paradoxalmente, essa influência pode se tornar menos pronunciada em períodos de maior sobrecarga parental.
No entanto, é essencial considerar as limitações da pesquisa. A amostra consistia majoritariamente de casais de alta renda e funcionalmente ajustados, o que pode não refletir a realidade de famílias com dificuldades financeiras ou problemas conjugais graves. Além disso, o estudo não examinou a influência de outros fatores, como saúde mental, histórico de relacionamentos ou dinâmica de divisão de tarefas parentais, que podem desempenhar papéis significativos na satisfação sexual.
Reflexões Finais: Estresse, Distância e Intimidade
O estudo conduzido por Vandervoort e seus colegas adiciona uma nova camada de complexidade ao entendimento das relações conjugais e da vida sexual de casais com filhos. A evitação no apego pode ser prejudicial para a satisfação sexual, mas essa dinâmica não é fixa. O estresse parental, muitas vezes visto apenas como um fator negativo, pode modificar essa relação de maneira inesperada.
Essa descoberta nos faz refletir sobre como o contexto da parentalidade redefine a intimidade e os desafios emocionais dos casais. Se o estresse pode, de certa forma, reduzir o impacto do distanciamento emocional, isso significa que estratégias de enfrentamento conjugal podem ajudar a minimizar os efeitos negativos do apego evitante? Como os casais podem utilizar essa informação para fortalecer suas relações e manter a intimidade ao longo dos anos?
A pesquisa não fornece todas as respostas, mas lança luz sobre um aspecto crucial da vida conjugal. Compreender como o estresse e os estilos de apego interagem pode ser um passo importante para casais que buscam equilibrar parentalidade e vida amorosa.
O estudo completo pode ser acessado no artigo The Moderating Role of Parenting Stress When It Comes to Romantic Attachment and Sexual Satisfaction de Mariève Vandervoort, Michelle Lonergan, Marie-France Lafontaine e Jean-François Bureau.