A personalidade em meninas pode ser moldada por uma série de fatores ao longo do desenvolvimento. No entanto, um estudo recente trouxe à tona o inesperado impacto do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) nesse processo. Embora o TDAH seja comumente abordado como um problema que afeta a atenção, impulsividade e hiperatividade, há uma questão importante a ser considerada: o que acontece quando seus efeitos vão além dessas áreas e atingem algo mais profundo, como a própria formação da personalidade? Em um estudo publicado na Research on Child and Adolescent Psychopathology, um grupo de pesquisadores explorou a relação entre os sintomas do TDAH na infância e o desenvolvimento de traços de personalidade na adolescência.
Como o TDAH Afeta a Personalidade em Meninas?
A pesquisa liderada por Laura J. Bell revelou algo impactante. Meninas diagnosticadas com TDAH na infância tendem a se descrever de forma mais negativa na adolescência. Assim, se acham menos conscientes, menos agradáveis e emocionalmente menos estáveis em comparação com suas pares sem o transtorno. A relação entre o TDAH e esses traços de personalidade é particularmente intensa em meninas de famílias com maior renda. A pergunta que surge aqui é: por que isso acontece?
Os pesquisadores analisaram os dados de 228 meninas, das quais 140 foram diagnosticadas com TDAH. Esses dados mostraram que, à medida que essas meninas crescem, além dos sintomas usuais do TDAH, também ocorrem marcas duradouras em sua personalidade. Meninas com TDAH mostraram uma tendência a ter uma visão mais negativa de si mesmas na adolescência. Isso pode estar ligado a um conjunto de pressões familiares, especialmente em lares de maior renda, pois há expectativas mais elevadas de desempenho nesses ambientes familiares.
O Impacto da Renda Familiar na Auto-Percepção
Um dos aspectos mais intrigantes do estudo é a descoberta de que meninas com TDAH de famílias com maior renda tendem a descrever suas personalidades de forma mais negativa. Por que essas meninas, em um ambiente teoricamente mais favorável, desenvolveriam uma autoimagem pior? Os pesquisadores sugerem que a pressão por sucesso nessas famílias pode amplificar os efeitos do TDAH, criando assim um ciclo de expectativas frustradas e autocrítica. Será que meninas de famílias mais abastadas estão mais expostas a comparações com os padrões de desempenho? Dessa forma, aumentando o impacto negativo do TDAH em suas personalidades?
Por outro lado, meninas de famílias com menor renda parecem menos afetadas por essa pressão familiar. Esse fenômeno sugere que o contexto social e econômico desempenha um papel importante na maneira como o TDAH influencia o desenvolvimento pessoal. Isso nos faz refletir sobre a importância de levar em conta que as consequências podem ir além dos sintomas clínicos do transtorno. Pois o ambiente em que essas meninas estão inseridas claramente as podem impactar.
A Relação Entre Personalidade em Meninas e TDAH
Os traços de personalidade analisados no estudo foram baseados no modelo dos Cinco Grandes Traços de Personalidade. Essa divisão propõe as seguintes categorias: a abertura, a conscienciosidade, a extroversão, a agradabilidade e a estabilidade emocional. As meninas diagnosticadas com TDAH, especialmente aquelas com altos níveis de desatenção e hiperatividade, demonstraram menores escores em conscienciosidade e agradabilidade. Além disso, também apresentarem maiores níveis de neuroticismo, ou seja, menor estabilidade emocional. Como isso afeta a vida cotidiana dessas meninas?
Um exemplo prático seria o desempenho acadêmico. As habilidades de organização e foco, traços associados a pessoas conscienciosas, representam justamente as áreas em que indivíduos com TDAH costumam enfrentar mais dificuldades. Assim, a ausência dessas características pode gerar frustração, o que leva ao desenvolvimento de uma visão negativa sobre si mesmas. E esse é um ponto crucial levantado pelos pesquisadores: as meninas com TDAH tendem a desenvolver uma autoimagem mais negativa. Assim, as consequências dessa perspectiva pode causar problemas na vida adulta, como dificuldades em relacionamentos ou no ambiente de trabalho.
A Malleabilidade da Personalidade: Um Raio de Esperança?
Embora o estudo traga à tona questões desafiadoras sobre o impacto do TDAH na personalidade, ele também lança uma luz sobre a possibilidade de intervenção. A personalidade, como observado pelos pesquisadores, é maleável durante a adolescência. Isso significa que existem oportunidades para abordar essas questões de forma preventiva. Dessa forma, trabalhando diretamente com as meninas para construir uma imagem mais positiva de si mesmas.
Os pesquisadores sugerem que intervenções voltadas para mudar as auto-percepções negativas podem ser cruciais para ajudar essas meninas a desenvolverem um senso mais saudável de identidade. Assim, por meio de psicoeducação, desenvolvimento de habilidades específicas e até mesmo foco em fortalecer suas qualidades, pode-se evitar que essas características negativas se tornem “cicatrizes” permanentes na vida adulta. Pensando por esse lado, será que estamos fazendo o suficiente para apoiar o desenvolvimento emocional e social de crianças com TDAH?
O Que Podemos Aprender Desse Estudo?
O estudo destaca a importância de compreender o TDAH além dos sintomas clássicos de desatenção e hiperatividade, focando nos impactos mais amplos sobre a personalidade e a autoimagem. As descobertas alertam pais, educadores e profissionais da saúde, mostrando que apoiar essas meninas durante o crescimento pode fazer uma diferença significativa em seu desenvolvimento emocional e pessoal.
Esse estudo também desafia a noção de que a personalidade é algo fixo durante a adolescência, abrindo caminho para reflexões sobre como intervenções direcionadas podem ajudar a moldar um futuro mais positivo para meninas com TDAH. Como sociedade, a pergunta que fica é: estamos preparados para reconhecer e atuar sobre essas necessidades mais sutis, mas igualmente importantes, das crianças que enfrentam o TDAH?