A dependência de celular tem se tornado um fenômeno alarmante entre universitários, impactando diretamente a saúde física e mental dessa população. Um estudo conduzido na China por Chunmei Chen e colaboradores, publicado em 2023 na revista Frontiers in Psychology, investigou o elo entre autoestima, evitação social e relações entre pares como fatores críticos nesse cenário. O artigo analisou um universo de 694 estudantes, com idades entre 17 e 23 anos, de quatro universidades chinesas. utilizando questionários validados para mensurar autoestima, dependência de celular, qualidade das relações de amizade e nível de evitação social.
O crescimento exponencial do acesso à internet por dispositivos móveis na China, com mais de um bilhão de usuários, intensificou ainda mais o uso de celulares entre jovens. No entanto, a popularização desses aparelhos não trouxe apenas benefício. Pois houve aumente em sintomas como modificação de humor, conflitos interpessoais, recaídas e até reações fisiológicas adversas, como tontura e palpitações. Além disso, há evidências de correlação entre dependência de celular e prejuízos em flexibilidade cognitiva, sono, aumento de ansiedade e dificuldades de socialização.
Metodologia Rigorosa no Estudo Chinês Sobre Dependência de Celular
O desenho metodológico do estudo de Chen et al. apostou em um levantamento quantitativo, com aplicação de escalas reconhecidas para análise dos principais construtos. Para isso usaram a escala de autoestima de Rosenberg, a Mobile Phone Addiction Tendency Scale, a escala de relacionamento entre pares de Asher e a Social Avoidance and Distress Scale de Watson e Friend. Todos os instrumentos foram adaptados e validados para o contexto chinês, apresentando índices de confiabilidade elevados (alpha de Cronbach entre 0,76 e 0,93).
A amostra foi composta por estudantes de diferentes anos acadêmicos, distribuídos de maneira equilibrada entre os períodos de graduação. Essa abordagem metodológica permitiu investigar não apenas relações diretas entre autoestima e dependência de celular, mas também os efeitos mediadores da evitação social e das relações de amizade. Dessa forma, lançando luz sobre caminhos indiretos e complexos que caracterizam o comportamento de jovens universitários diante da tecnologia.
Autoestima: Um Fator Protetor Contra A Dependência de Celular
Um dos resultados mais consistentes do estudo foi a identificação de uma relação negativa significativa entre autoestima e dependência de celular. Ou seja, quanto maior a autoestima do universitário, menor a propensão ao uso problemático do celular. Por outro lado, baixos níveis de autoestima foram associados a maiores índices de dependência. Assim, corroborando evidências anteriores de que a autoestima funciona como fator protetor contra comportamentos aditivos em geral.
Estudantes com autoestima elevada tendem a apresentar maior aceitação social, menos ansiedade e uma busca menos intensa por validação externa. Já aqueles com baixa autoestima frequentemente utilizam o celular como meio de suprir carências sociais e preencher lacunas emocionais, tornando-se mais vulneráveis à dependência tecnológica. Essa dinâmica é potencializada pelo fenômeno conhecido como “medo de ficar de fora” (FoMO). Tal medo intensifica o uso compulsivo de redes sociais e aplicativos de mensagens.
Além disso, a autoestima influencia diretamente a habilidade de lidar com frustrações e rejeições sociais. A literatura científica sugere que estratégias institucionais voltadas para o fortalecimento da autoestima podem ser altamente eficazes na prevenção de quadros de dependência tecnológica entre jovens adultos.
Evitação Social Como Mecanismo De Mediação
Outro ponto-chave identificado pelo estudo foi o papel da evitação social como mediador entre autoestima e dependência de celular. Universitários com baixa autoestima tendem a evitar interações sociais presenciais por receio de julgamento, rejeição ou sensação de inadequação. Essa evitação se manifesta tanto em comportamentos objetivos, como isolamento, quanto em sentimentos subjetivos de ansiedade diante de situações sociais.
O resultado prático desse comportamento é o aumento da dependência do celular como instrumento compensatório. Pois o jovem busca no mundo digital a aceitação, o pertencimento e a comunicação que evita no ambiente presencial. Essa mediação parcial evidencia que intervenções voltadas para estimular a participação social e reduzir a ansiedade em ambientes coletivos podem impactar diretamente nos padrões de uso de tecnologia, minimizando riscos de dependência.
A pesquisa ainda aponta que a solidão resultante da evitação social pode alimentar um ciclo vicioso. Onde a busca por alívio no celular reforça ainda mais o afastamento das interações presenciais, perpetuando o problema.
Relações Entre Pares: O Papel Da Amizade Na Dependência de Celular
A qualidade das relações entre pares também se destacou como mediador fundamental entre autoestima e dependência de celular. O estudo mostrou que jovens com autoestima mais alta desenvolvem amizades mais sólidas, com maior reciprocidade, apoio emocional e participação em atividades coletivas. Esse suporte social atua como fator protetivo contra o uso excessivo de celulares, pois supre necessidades emocionais e reduz a necessidade de compensação digital.
Por outro lado, estudantes com dificuldades em manter relações saudáveis entre amigos tendem a buscar no ambiente digital uma forma alternativa de pertencimento. Então, aumentando sua vulnerabilidade à dependência tecnológica. Relações frágeis ou marcadas por rejeição intensificam sintomas de ansiedade e impulsionam o uso disfuncional do celular como refúgio ou meio de validação.
Programas universitários que promovem atividades colaborativas, grupos de apoio e oportunidades de interação social são recomendados como estratégias práticas para fortalecer a rede de pares. Assim, promovendo saúde mental e prevenção de vícios digitais.
Mediação Em Cadeia: Como Os Fatores Se Conectam
O ponto mais inovador do estudo está na identificação da mediação em cadeia: autoestima elevada reduz a evitação social, o que, por sua vez, fortalece as relações de amizade e, consequentemente, diminui a propensão à dependência de celular. Esse mecanismo integrado mostra que a prevenção da dependência tecnológica demanda uma abordagem multidimensional. Uma vez que envolve tanto o fortalecimento interno (autoestima) quanto o contexto social (amizades e integração).
Os achados reforçam a importância de políticas universitárias e familiares que incentivem tanto o autoconhecimento e autoconfiança quanto o desenvolvimento de habilidades sociais e manutenção de redes de apoio. O celular, nesse cenário, deixa de ser um vilão isolado e passa a ser compreendido como uma resposta a carências emocionais e sociais específicas.
Esses resultados trazem subsídios relevantes para o desenvolvimento de programas de saúde mental focados em jovens adultos, propondo ações que vão além da mera restrição do uso de tecnologia e buscam atuar nas causas subjacentes do comportamento aditivo.
Implicações Práticas e Recomendações Para Evitar a Dependência de Celular
A pesquisa conduzida por Chen e colegas oferece orientações concretas para educadores, pais e gestores universitários. Entre as recomendações estão: investir em programas que elevem a autoestima dos estudantes, estimular a participação em atividades sociais e esportivas, fortalecer políticas de saúde mental e criar espaços seguros para o desenvolvimento de amizades genuínas.
A atuação conjunta de universidades, famílias e sociedade é fundamental para criar ambientes acolhedores, nos quais o jovem se sinta valorizado, reconhecido e apoiado em suas dificuldades emocionais. Tais medidas reduzem drasticamente a necessidade de buscar compensação no ambiente digital, prevenindo a escalada para quadros de dependência.

A pesquisa também destaca a importância do suporte psicológico, especialmente para estudantes que já apresentam sinais de ansiedade, depressão ou isolamento. A oferta de acompanhamento especializado, associado à promoção de práticas de vida saudável, pode reverter quadros iniciais de dependência e promover o equilíbrio no uso das tecnologias.
Limitações do Estudo e Perspectivas Futuras
Embora robusto, o estudo apresenta limitações: o desenho transversal impede afirmações causais, a amostragem por conveniência pode introduzir viés e a ausência de intervenção experimental limita a generalização dos achados. Pesquisas futuras devem adotar metodologias longitudinais e intervenções controladas, além de explorar variáveis culturais e contextuais que possam influenciar o fenômeno da dependência tecnológica.
Mesmo com essas limitações, os resultados são valiosos para o campo da psicologia, educação e saúde pública, apontando caminhos para novas investigações e intervenções mais eficazes.