Você já se perguntou por que alunos de diferentes condições socioeconômicas (SES) apresentam desempenhos tão variados em testes escolares? A resposta pode estar mais próxima do que você imagina. A situação econômica e social de uma família tem um impacto profundo nas notas dos alunos. Isso ocorre especialmente em testes padronizados de matemática, que são essenciais para a progressão acadêmica.
Imagine dois estudantes: João, que vem de uma família de baixa renda, e Enzo, de uma família mais abastada. Ambos têm a mesma capacidade intelectual, mas quando se deparam com um teste de matemática, seus resultados são diferentes. Isso acontece porque os testes, muitas vezes, carregam exigências que vão além do conhecimento matemático puro. Por exemplo, a complexidade da linguagem usada nas perguntas, que pode ser uma barreira maior para João do que para Enzo.
Os itens dos testes, como problemas envolvendo dinheiro, alimentos ou interações sociais, podem afetar o desempenho dos alunos de formas inesperadas. Para João, questões sobre como dividir um valor em dinheiro entre amigos podem ter mais significado e relevância, refletindo desafios do seu cotidiano, como a gestão de recursos limitados. Já para Enzo, essas mesmas questões podem ser apenas mais um problema a ser resolvido.
Estudos mostram que alunos de baixas condições socioeconômicas tendem a ter um desempenho pior em testes devido a esses vieses ocultos. No entanto, quando os testes são ajustados para incluir contextos ecologicamente relevantes – ou seja, situações que refletem a realidade vivida por esses alunos – suas notas podem melhorar significativamente. Este fenômeno, chamado de “talentos ocultos”, sugere que a adversidade pode, paradoxalmente, desenvolver certas habilidades cognitivas que passam despercebidas nos ambientes de teste tradicionais.
No entanto, um estudo testou essa possibilidade e encontrou resultados contrastantes com essa teoria.
Estudo Explora o Papel de Desigualdades Socioeconômicas nos Testes Acadêmicos
Para entender como o desigualdades socioeconômicas (SES) afeta o desempenho de alunos em testes de matemática, pesquisadores holandeses realizaram um estudo onde adotaram métodos simples e diretos. Primeiro, registraram todos os planos e objetivos em uma plataforma online antes do início do estudo, assim garantindo transparência. Para isso, utilizaram dados do estudo internacional TIMSS, que avalia estudantes do 4º e 8º anos de diversos países, com mais de 5 milhões de alunos de 57 países em 2007 e 58 países em 2011.
Para medir o SES, eles perguntaram aos alunos quantos livros eles tinham em casa, oferecendo opções simples de 0-10, 11-25, 26-100, 101-200 e mais de 200 livros. Essa é uma forma direta de entender a condição socioeconômica dos estudantes.
O estudo analisou dados de 58 países, envolvendo alunos do 4º (média de 9,5 anos) e 8º ano (média de 13,5 anos). O conjunto de dados contou com mais de 5 milhões de alunos que realizaram testes de matemática do estudo TIMSS em 2007 e 2011. Os pesquisadores identificaram dois tipos de problemas de matemática: aqueles com conteúdo ecologicamente relevante para estudantes de baixa SES (envolvendo dinheiro, comida ou interação social) e aqueles com conteúdo neutro (como botões, sapos ou pura notação matemática). Dessa forma, os pesquisadores puderam identificar possíveis injustiças nos testes e promover uma educação mais justa e inclusiva, pois foram ajustando os testes para refletirem melhor a realidade de todos os alunos.
Desigualdades Socioeconômicas Exacerbadas Dependendo do Contexto do Conteúdo
Os resultados mostraram que itens de matemática com conteúdo ecologicamente relevante para baixa condições socioeconômicas (SES) apresentam maior probabilidade de serem desfavoráveis para esses alunos em comparação com itens de conteúdo neutro. Conteúdo ecologicamente relevante refere-se a problemas que envolvem situações do dia a dia dos alunos de baixa SES, como dinheiro, comida ou interação social.
Por exemplo, um problema de matemática que pergunta “Se você tem 240 reais e precisa dividir igualmente entre 6 amigos, quanto cada um receberá?” é considerado ecologicamente relevante porque envolve dinheiro e uma situação social comum. Outro exemplo é um problema que pede para calcular a quantidade de comida necessária para uma festa, dessa forma, também se encaixando no contexto diário de muitos alunos.
Especificamente, a chance de alunos de baixa condições socioeconômicas (SES) responderem corretamente é significativamente menor (0,91) em itens com conteúdo ecologicamente relevante, comparado a itens neutros, como um problema que simplesmente pergunta “Quanto é 240 dividido por 6?”, onde a chance é maior (1,02 e 1,06). Isso significa que, mesmo que o problema matemático seja o mesmo, a forma como ele é contextualizado pode tornar mais difícil para alunos de baixa SES responderem corretamente.
Implicações das Desigualdades Socioeconômicas no Ensino e Sociedade
Os resultados deste estudo revelam que conteúdos relacionados a dinheiro, comida e interações sociais nos itens dos testes de matemática prejudicam o desempenho dos alunos de baixa condições socioeconômicas (SES). Assim, comparados a itens com conteúdo neutro, os alunos de baixa condições socioeconômicas (SES) têm menos chances de responder corretamente a problemas com conteúdo ecologicamente relevante. Assim, alunos de baixa SES têm, em média, 16% (no 8º ano) a 18% (no 4º ano) menos probabilidade de responder corretamente a esses itens.
Estes achados são surpreendentes, pois os pesquisadores esperavam que os alunos de baixas condições socioeconômicas se saíssem melhor em problemas que refletissem suas experiências práticas. No entanto, os resultados mostraram o efeito oposto: problemas envolvendo dinheiro, comida e interações sociais foram mais desafiadores para esses alunos.
Esses resultados têm profundas implicações sociais. Destacam a necessidade de repensar a forma como os testes padronizados são elaborados. Itens de teste que parecem neutros podem, na verdade, introduzir vieses que desfavorecem certos grupos de estudantes. Isso não apenas perpetua as desigualdades existentes, mas também pode afetar negativamente a auto-estima e a motivação dos alunos de baixa baixas condições socioeconômicas. Esse cenário, acaba limitando as oportunidades futuras desses alunos.
O Que Devemos Fazer?
Para promover uma educação mais justa e inclusiva, é essencial ajustar os testes para eliminar esses vieses. Algumas ações recomendadas incluem:
- Revisar o Conteúdo dos Testes: Garantir que os itens de teste não introduzam vieses involuntários que possam prejudicar grupos específicos de alunos.
- Desenvolver Intervenções: Fornecer ferramentas e treinamento aos professores para ajudar os alunos durante a realização dos testes, especialmente quando os problemas envolvem conteúdo ecologicamente relevante.
- Implementar Políticas de Avaliação Justas: Avaliar o progresso individual dos alunos em vez de compará-los apenas com base em testes padronizados.
Perspectivas Futuras
Futuras pesquisas devem explorar os mecanismos atencionais, cognitivos e afetivos que explicam esses achados. Experimentos controlados podem ajudar a entender melhor como o conteúdo ecologicamente relevante afeta o desempenho dos alunos de baixas condições socioeconômicas (SES) e como minimizar esse impacto. Além disso, é importante investigar se esses achados se aplicam a outros domínios educacionais, como ciência ou linguagem, e em diferentes contextos nacionais.
A longo prazo, precisamos repensar a forma como avaliamos o desempenho dos alunos. Em vez de focar apenas em comparações absolutas, devemos valorizar o progresso individual de cada aluno, reconhecendo suas trajetórias únicas de aprendizagem. Isso não apenas promoverá maior igualdade na educação, mas também ajudará a desenvolver o potencial completo de cada estudante, independentemente de seu contexto socioeconômico.
Ajustando Nossa Comunicação para Maior Inclusão
Este estudo destaca a importância de considerar o contexto socioeconômico na elaboração de testes educacionais. Ao entender e abordar os vieses presentes nos testes de matemática, podemos dar passos significativos em direção a uma educação mais equitativa e inclusiva. Portanto, desenvolver intervenções eficazes e ajustar as políticas educacionais são passos cruciais para garantir que todos os alunos tenham a oportunidade de demonstrar plenamente suas habilidades. Somente assim, esses alunos poderão alcançar seu potencial máximo.
Devemos adotar essas práticas de comunicação no cotidiano também, para facilitar a comunicação entre pessoas com diferentes contextos socioeconômicos. Ao sermos conscientes das diversas realidades e ajustarmos nossa linguagem e abordagens, podemos promover um ambiente mais inclusivo e compreensivo. Isso inclui usar exemplos e referências que sejam acessíveis e relevantes para todos, evitando termos ou situações que possam criar barreiras. Ao fazer isso, podemos melhorar a compreensão mútua e garantir que todos, independentemente de sua condição socioeconômica, possam participar plenamente e contribuir com suas perspectivas únicas.